quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Terror de Estado- A chaga do século

18 de abril: seis bombas israelenses atingem o campo de refugiados de Qana, no sul do Líbano, administrado pela ONU. Morrem 102 civis, a maioria composta de velhos, crianças e mulheres. Israel alega ‘‘erro militar’’.
Mas um vídeo divulgado no dia  6 de maio pela TV britânica mostra que foi uma operação calculada para espalhar o terror. Em 16  dias de bombardeio, iniciado em 11 de abril, Israel mata pelo menos 150 civis e expulsa 500 mil de seus lares . O ataque só é interrompido em certa ocasião, durante dois minutos: Israel pára, em homenagem aos milhões de judeus assassinados por Adolf Hitler durante a 2ª Guerra, encerrada em maio de 1945.
Há uma cruel ironia entre as ações do Exército israelense no sul do Líbano e a homenagem às vítimas do nazismo. Quando lembra o holocausto nazista, Israel é a denúncia do que os governos são capazes quando não limitados pelos princípios da democracia e do Direito Internacional. Mas Israel torna-se algoz, assume o lugar do Estado terrorista, ao despejar suas bombas sobre acampamentos de refugiados indefesos.
Israel não tem, é claro, o ‘‘privilégio’’ de ser o único Estado a se valer de métodos terroristas. Ao contrário, no século 20, o Terror de Estado  isto é, o uso, contra a população civil, do aparelho repressivo institucional, como as Forças Armadas ou grupos pára –militares armados pelos governos- tornou-se prática política generalizada. Já na 1ª Guerra (1914-18), as populações civis foram consideradas alvo militar. Josef Stalin, Adolf Hitler, Mao Tsétung e Pol Pot superlotaram de opositores os seus campos de morte. Em 6 e 9 de agosto de 1945, Washington iniciou a era do terror atômico, com os quase 200 mil inocentes mortos em frações de segundo em Hiroxima e Nagasáki. A humanidade viveu sob a chantagem terrorista do holocausto nuclear durante os quase 50 anos de Guerra Fria.
A lista de horrores não tem fim. Que o digam as minorias curdas expostas a ataques com armas químicas de Sadam Hussein. Ou os negros sul-africanos, até o início de 1990 submetidos ao sistema do apartheid. Ou, ainda, as dezenas de milhares de vítimas das ditaduras que, financiadas e armadas por Washington, se multiplicaram na América Latina entre os anos 60 e 80.
Mas o uso e as formas do Terror de Estado variam com o tempo. Na era de Hitler e Stalin, era um instrumento para impor e preservar o sistema de ‘‘culto à personalidade’’, que assegurava poderes absolutos ao ditador.
Na Guerra Fria, o Terror de Estado estava a serviço do jogo entre os blocos. Era a lógica das superpotências -mais do que o desejo dos ditadores- que presidia a ação da polícia política. Hoje, o Terror de Estado tem novas características.
Livres dos compromissos impostos pelos blocos da Guerra Fria, os Estados tornam-se mais voláteis. Os conflitos internos de natureza étnica e social-, antes sufocados pelo xadrez das superpotências, ganham preponderância.
Por outro lado, os Estados se reorganizam em blocos econômicos (Nafta, Mercosul, União Européia etc.) que cristalizam e reforçam as desigualdades entre ‘‘ricos’’ e ‘‘pobres’’. Como resultado do entrecruzamento destes dois componentes, os ‘‘donos’’ do Estado voltam suas armas contra as minorias étnicas que exigem o reconhecimento de seus direitos (os palestinos no Oriente Médio, ou os muçulmanos da Bósnia); contra os imigrantes pobres, que significam mais desemprego e encargos sociais nos países ricos (árabes na França, turcos na Alemanha, mexicanos nos Estados Unidos); contra, enfim, os deserdados (negros nos Estados Unidos, sem-terra no Brasil). O Estado tornou-se a fortaleza da minoria rica contra a imensa maioria pobre.
O Terror de Estado ganha força à medida que diminui o respeito aos direitos do cidadão, e a Lei passa a ser a lei do mais forte (ou, na versão ‘‘neoliberal’’, a lei do mais rico).
Se Israel fosse submetida a uma Lei internacional, pensaria duas vezes antes de chacinar miseráveis refugiados mas  Washington foi o  primeiro a vetar, no quadro da ONU, qualquer tentativa de sanção contra o Estado judeu.
Se, nos países ricos, imigrantes pobres fossem considerados cidadãos de fato e de direito, as correntes neonazistas não teriam o espaço político de que dispõem para praticar seu terror racista. No quadro atual, o neonazismo é só a face mais explícita da vocação dos Estados ricos. E assim por diante.
Nem sempre o Terror de Estado é resultado de uma prática consciente e coerente dos governos. Também pode ser conseqüência da ausência do Estado. Ruanda é um trágico exemplo contemporâneo disso. Ali, a inexistência de um poder central reconhecido como legítimo pela população permitiu a eclosão de uma guerra civil entre duas etnias (hutus e tutsis), responsável, em 1994, por 2 milhões de mortes. Na antiga Iugoslávia, a desagregação do Estado centralizado, criado nos anos 40 por Josip Tito, desembocou na guerra entre sérvios, croatas e muçulmanos da Bósnia, a qual reintroduziu em solo europeu os campos de contração e a prática de ‘‘depuração étnica’’ tão caros a Stalin e Hitler.
Em qualquer hipótese, o Terror de Estado é, sempre, a manifestação do divórcio entre Estado e nação. É o mais claro sintoma da barbárie.
Boletim Mundo Ano  4 n° 3

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