sábado, 8 de janeiro de 2011

África do Sul- Guerra Civil Ameaça Eleição Multirracial

Zulus do Inkatha (negros) e africânderes (brancos pró-apartheid) rejeitam nova constituição, desafiam o governo e exigem autonomia política e territorial

Marcada para 27 de abril, a primeira eleição multirracial da África do Sul está
desencadeando uma escalada de violência que ameaça desintegrar a unidade
territorial do país. Os conflitos entre os principais agrupamentos negros, que deixam um rastro de sangue nos subúrbios das grandes cidades há vários anos, multiplicaram-se após a definição da data do pleito pelo Parlamento branco, em dezembro último.
Ao mesmo tempo, cresce a ameaça de um confronto envolvendo africânderes (brancos descendentes de holandeses) conservadores, de um lado, e o governo
branco (que está promovendo as reformas) de outro.
As sondagens pré-eleitorais apontam uma vitória folgada do CNA (Congresso Nacional Africano), com quase 60% dos votos, seguido de longe pelo Partido Nacional, no poder, com menos de 20%.
A nova Constituição não-racial do país foi negociada na Codesa (Conferência por uma África do Sul Democrática) pelos grupos políticos brancos, negros, mestiços e asiáticos. As suas linhas-mestras foram definidas por acordos entre o Partido Nacional, do presidente Frederik de Klerk e o CNA, do líder negro Nelson Mandela. Os negros de etnia zulu do Inkatha e os africânderes radicais do Partido Conservador e de agrupamentos neonazistas boicotaram as conversações. Eles não aceitam a soberania do governo a ser eleito sobre toda a África do Sul e exigem autonomia política para as regiões.
No fundo, rejeitam a unidade do país e a existência de uma cidadania comum para todos os seus habitantes. É isso que pode representar a faísca de uma guerra civil.
A África do Sul tem 35 milhões de habitantes.
A maioria negra, até hoje privada dos direitos políticos pelo sistema do apartheid, representa 68% da população, mas está dividida em vários grupos etnoculturais
cujas diferenças foram ampliadas pela política dos governos brancos. Um dos componentes dessa política racial foi a criação dos bantustões, micro-Estrados negros baseados em critérios étnicos que foram tornados autônomos na década de 1970.
Os bantustões estimularam os tribalismos.
A nova Constituição reabsorve os bantustões nacional. O crescimento da influência do CNA – cuja liderança é de etnia xhosa – sobre os mais diversos grupos negros reflete a urbanização da população e a ruptura com as raízes tribais. Os chefes zulus do Inkatha não admitem um governo presidido por Mandela, que corresponderia à dissolução do seu próprio poder. Os zulus formam a mais numerosa etnia negra, localizada no Kwazulu (bantustão da região do Natal, no oriente do país). Mangosuthu Buthelezi,
o líder do Inkatha, pretende transformar o bantustão em Estado autônomo e ameaça iniciar um conflito total contra o governo a ser eleito.
Outro elemento desintegrador são os africânderes radicais. Eles acusam o Partido Nacional – que a partir de 1948 arquitetou e sustentou o apartheid – de trair a causa branca. Derrotados no plebiscito (restrito ao eleitorado branco) de março de 1992, que provocou o início das negociações com os negros, articularam a formação de um Estado africânder separado da África do Sul. Em uma coisa, zulus e brancos radicais estão de acordo: enxergam a si próprios como grupos tribais e a África do Sul como
Um  condomínio de etnias separadas pelo sangue.

E D I T O R I A L
25 de fevereiro sexta-feira, início do Ramadã, mês (lunar) sagrado islâmico: um extremista judeu dispara contra muçulmanos que oram numa mesquita em Hebron,
Cisjordânia Ocupada. Mata dezenas.
05 de fevereiro Sábado, 12h30: um morteiro disparado contra o mercado central
de Sarajevo, provavelmente por milícias sérvias, mata 68 pessoas e fere outras 200.
Para além do sangue, da destruição, da barbárie, do inominável – para além de
tudo isso, estes episódios revelam a força do apelo étnico e religioso quando irrompem sem controle e desafiam as noções mais básicas de democracia e de convivência civilizada.
Hitler e Stalim, cada um em seu próprio proveito, souberam lançar mão desse apelo. Hunos contemporâneos, eles expuseram à luz do dia a fragilidade daquilo que se
Convenciona  chamar tecido social, esse tênue manto que se rompe ao menor contato com as facetas mais obscuras da alma.
Depois do Gulag e de Auschwitz, depois de tudo aí estão Sarajevo e Hebron.
E não só: aí estão Chiapas (pobre México), a Candelária, o Carandirú (e viva o Brasil).
Ai  estão os separatismos, as patriotadas, os neonazistas, os assassinos a soldado do
Estado. Até quando? Cada um de nós – deve responder a essa questão. Não é só um
problema  moral e ético: o que está em jogo, cada vez mais, é a sobrevivência democrática da cidadania.

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