Aliança entre fascistas e conservadores tenta evitar que as eleições de 27 e 28 de março dêem o poder ao Partido Democrático de Esquerda (PDS, ex-PCI), único grupo nacional relativamente intocado pela Operação Mãos Limpas.
João Batista Natali
As eleições legislativas italianas obedeceram, entre 1946 e 1992, a uma rotina monótona: a Democracia Cristã (DC) chegava numa confortável dianteira, indicava o premiê ou permitia que o cargo fosse ocupado por um de seus aliados, e o Partido
Comunista Italiano (PCI), em segundo lugar, permanecia por mais uma legislatura na oposição.
Foi assim há dois anos. A DC elegeu 206 dos 630 deputados e o PCI 107. A única novidade, então, estava nos 55 deputados eleitos pelos autonomistas da Liga Lombarda, que ganhavam razoável peso ao pretenderem uma autonomia maior do Norte do país com relação ao governo central.
A Liga Lombarda ainda existe, mudou de nome e se chama agora Liga Norte, mas esta é a única coincidência numa Itália virada politicamente pelo avesso depois de dois anos de investigações sobre as ligações espúrias entre a classe política e os empreiteiros. Lembrem-se da “Operação Mãos Limpas”, desencadeada em Milão pelo Judiciário e que já permitiu a abertura de processos por enriquecimento ilícito contra centenas de dirigentes partidários. A DC, maior comprometida, tende a se tornar, nas eleições de 27 e 28 de março, um partido quase nanico.
Estão sendo processados e não se candidataram líderes democrata cristãos como Ciriaco de Mita e Arnaldo Forlani.
O mesmo ocorre com o ex-premiê Bettino Craxi, ex-chefe do Partido Socialista Italiano (PSI), que está, aliás, na iminência de se sentar no banco dos réus.
N e s s a reformulação radical do quadro político – que os 48,4 milhões de eleitores
italiano, chegadinhos a palavras de impacto, já batizaram de “Segunda República” (a primeira foi fundada em 1946, com o plebiscito que depôs o rei Umberto 2º) –, ficaram praticamente incólumes os comunistas.
E l e s mudaram de n o m e , chamam-se agora Partido Democrático da Esquerda (PDS) e são os únicos com ampla implantação n a c i o n a l .
Fundado em 1921 por P a l m i r o To g l i a t t i , com 1,3 milhão de filiados, o então PCI tinha inicialmente como projeto construir o socialismo na Itália. Mas foi o bastante pragmático para se afastar da URSS, aceitar as regras da democracia representativa e não ser considerado um instrumento ortodoxo e totalitário do chamado “comunismo internacional”.
Forte de norte a sul do país, o atual PDS foi catapultado à posição de única força sensível às aspirações regionais que são por vezes contraditórias. Ele se diz capaz de sintetizar interesses do Norte desenvolvido e do Sul agrário e atrasado. Tornou-se o partido da unidade italiana.
Ataca os separatistas do Norte, liderados por Umberto Bossi, que julgam ter maiores afinidades nos alemães e franceses do que com os compatriotas sulinos.
Os separatistas integram para as eleições deste mês uma coligação de partidos conservadores, da qual também fazem parte os neofascistas do Movimento Social Italiano (MSI), liderado por Giancarlo Fini e que têm boa implantação na Itália meridional. Essa coligação foi costurada há um mês por um novato na política,
o empresário de TV Sílvio Berlusconi. Ele criou um movimento, o “Forza Itália” (e este é o grito de guerra da torcida quando entra em campo a seleção italiana de futebol). Berlusconi possui incrível charme. Promete baixar impostos – o que assusta um pouco os banqueiros internacionais, já que a Itália possui um histórico e imenso déficit público – e desencadear uma “guerra santa contra a recessão e o desemprego”. Cresceu politicamente na medida em que se tornou a única opção concreta para os
italianos que não querem ver o país governado pelas esquerdas, sob o comando do PDS.
É difícil prever de que lado penderá o eleitorado. Um instituto de pesquisa chegou a
atribuir à coligação de Berlusconi uma maioria de 310 a 340 cadeiras. Mas outra pesquisa revela que os indecisos são ainda 60% e que um pouco mais de italianos não tem uma idéia muito precisa sobre as novas regras do jogo eleitoral. De fato, esta será a primeira vez que funcionará o sistema distrital misto, pelo qual três quartos das cadeiras na Câmara Baixa serão preenchidas com os mais votados em cada distrito, e o um quarto restante pelo critério proporcional: cada eleitor receberá uma Segunda cédula, para voltar numa lista do partido de sua preferência.
QUEM É QUEM NO XADREZ ELEITORAL ITALIANO
A nova legislação eleitoral dá mais chances aos partidos que se apresentam coligados a outros partidos.
Se até 1992 cada um deles obtinha, na Câmara, um número de deputados que correspondia à quantidade de votos que recebeu, o voto distrital misto impõe a lógica da formação de blocos. São três:
1 – Pacto Pela Itália (PPI) – É liderado pelo Partido Popular Italiano, novo nome da Democracia Cristã.
As pesquisas lhe dão não mais que 75 cadeiras, _ do obtido nas eleições de 1992. O PPI possui milhares de prefeitos. Mas, não tem nada de novo a propor, porque vem governando a Itália há quase 50anos. Parte de suas bases aderiu à direita do “Forza Itáli”. Serão os candidatos pejorativamente chamados de “reciclados”, porque não desejaram ter seus nomes associados à corrupção.
2 – Aliança Progressista – Encabeçada pelo PDS, que conseguiu atrair grupos laicos (que se opõem à influência da Igreja), por comunistas ortodoxos que resistiram ao fim do PCI e que se chamam Refundação Comunista, e grupos de extrema-esquerda que, na Itália, sempre mantiveram canais de diálogo com o PCI. O PDS, dirigido por Achille Occhetto, se apresenta como o partido da “unidade democrática” italiana.
O partido se vê como o sucessor da esquerda bonapartista (que lutou no início do século 19 ao lado do imperador Napoleão Bonaparte, contra as monarquias regionais).
3 – Direita – É a aliança entre o “Forza Itália” e a Aliança Nacional, forte no Sul e articulada pelos neofascistas do MSI, e mais a Liga Norte, os utonomistas/separatistas. Este bloco é frágil porque os interesses dos autonomistas e neofascistas são irreconciliáveis. O MSI que um Estado forte e unificado.
A liga, por sua vez, acredita que o Norte deve ficar com o dinheiro que arrecada para impedir que os perdulários e corruptos do poder central, em Roma, continuem a subsidiar as oligarquias do Sul. O bloco foi cimentado para barrar o acesso dos ex-comunistas ao poder.
É impossível falar de política na Itália sem insistir no papel da Igreja Católica. Ela se identificou por décadas à Democracia Cristã, para a qual alguns bispos faziam campanha. O papa João Paulo II disse, recentemente, que era preciso “manter os católicos unidos”, numa alusão interpretada como um esforço para evitar o naufrágio do PPI (novo nome da DC). No Natal, o papa criticou aqueles que se opõem a unidade do país, numa crítica velada à Liga Norte.
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