Giram, em torno das terras e matas da Amazônia, inúmeras lendas, mistérios e controvérsias. A primeira foi a da extraordinária fertilidade de seu solo – no entender, inclusive, de alguns grandes cientistas que por aqui andaram, desde o início do século passado, como Alexandre de Humboldt, Alfred Wallace e outros, iludidos pela exuberante vegetação. Esse engano já havia causado grandes estragos, desde o final do século XVII, com as tentativas de colonização, pelos padres jesuítas, das regiões do Baixo Amazonas, com emprego das técnicas agrícolas importadas da Europa, mas continuaram a ser empregadas e, finalmente, institucionalmente estimuladas pelo governo militar, a partir de 1970, apesar de já então, inúmeros trabalhos de pesquisa científica terem demonstrado a fragilidade do ecossistema amazônico por causa da baixa fertilidade da maior parte de seus solos.
A descoberta e a divulgação dessa fragilidade levaram à criação de um outro mito: o do “pulmão do mundo” !. Impressionada com a avaliação de que as matas amazônicas, em seu processo de fotossíntese, são responsáveis pela produção de algo como 20 por cento do oxigênio que é gerado em toda a biosfera terrestre, a mídia chegou à conclusão de que essa floresta era responsável direta pelo fornecimento de oxigênio necessário à respiração de toda a população terrestre. Coisa que nenhuma pessoa conhecedora das leis do equilíbrio natural poderia sustentar, uma vez que, sendo o processo fotossintético um processo de produção de matéria vegetal, com consumo de gás carbônico e geração de igual quantidade de oxigênio como subproduto, este tem que ser novamente consumido. Este consumo é realizado através da respiração das plantas, dos fungos e bactérias decompositores e dos animais pertencentes àquele mesmo ecossistema, para que seja devolvido, em igual quantidade, o gás carbônico à atmosfera, bem como destruída igual quantidade de matéria orgânica, a fim de que a composição do meio permaneça estável. Em outras palavras, a exportação de oxigênio para outros ecossistemas levaria à falta de gás carbônico para a nova fotossíntese e, portanto, à extinção da floresta.
Mais recentemente, um outro mito foi criado, pela incompreensão do mesmo princípio do equilíbrio dos ecossistemas: o de que a floresta amazônica intacta poderá resolver o problema do efeito estufa. O desmentido é baseado nas mesmas razões aqui apresentadas, isto é, um ecossistema só poderá absorver a quantidade de gás carbônico que ele próprio está capacitado a produzir. É claro que um programa de reflorestamento intensivo – como o proposto no chamado Projeto Floran – seria altamente desejável, para recompor as florestas destruídas e, principalmente, reabsorver o gás carbônico gerado pela queima das próprias florestas e de sua lenha, mas nunca poderia dar conta do excedente de gás carbônico gerado pela queima de combustíveis fósseis. Para este, só havendo uma nova fossilização, novo soterramento, isto é, um retorno à sua situação isolada da biosfera: o que não é possível nos curtos prazos necessários ou desejáveis...
Finalmente, um novo mito sido apregoado, resultante do desmentido desses dois últimos, mas com o desconhecimento do primeiro. Refiro-me à pregação de que, não sendo a Amazônia o pulmão do mundo e nem a sua salvação, pela neutralização do efeito estufa, ela pode ser tranqüilamente explorada e destruída, sem que isso acarrete qualquer dano para o mundo, mas trazendo um enorme benefício para o Brasil, pela quantidade de madeiras e minérios a serem explorados, pela quantidade de empregos que iria gerar e, principalmente, pela imensidão de terras cultiváveis e pastagens que iria pôr em disponibilidade, tornando o nosso país um vasto celeiro. Como num círculo vicioso, voltamos às idéias de 1970...
Só que, em 1970, inúmeros cientistas, como Felisberto Camargo, Sioli, Katzer e outros, já haviam demonstrado fatos (perfeitamente confirmados pelas pesquisas de hoje) segundo os quais os solos da Amazônia não podem ser tratados como solos de outras regiões do mundo e, principalmente, os dos países temperados. Seus solos são extremamente improdutivos, mantendo-se a sua imponente floresta à custa de uma perfeita reciclagem que faz com que cada folha destacada que venha ter ao chão seja quase imediatamente decomposta, para restituição dos seus elementos às raízes. Como conseqüência, a remoção da vegetação natural para o plantio de plantas herbáceas – pastos e cereais – com raízes muito superficiais e sem restituição de seus produtos ao solo leva à rápida esterilidade deste. O que significa que o corte da mata amazônica levaria, em pouco tempo, à formação de um deserto, como já tem acontecido, ao longo da história do homem, em várias outras regiões tropicais.
Dizer que a Amazônia deve permanecer absolutamente intocável, sem nada produzir para o país em desenvolvimento, também seria um mito condenável. Sua vegetação natural produz uma infinidade de alimentos e essências de enorme aplicação, que apenas começaram a ser descobertas. Castanhas, cocos, borracha e outras gomas, cacau, guaraná e uma infinidade de frutos saborosos e plantas medicinais podem ser racionalmente explorados. As madeiras podem ser cortadas, desde que permaneçam os tocos, permitindo a rebrota e o imediato reflorestamento. Da mesma forma, seria possível a utilização de madeiras de menor qualidade como combustível, em usinas a lenha ou a carvão. Finalmente, há uma imensa área de terras férteis, que podem produzir cereais para alimentar grande parte do mundo, constituída pela várzea do rio, em que os nutrientes são repostos a cada ano pelas enchentes. Mas todas essas utilizações exigirão o emprego de tecnologias apropriadas, desenvolvidas pelos nossos centros tecnológicos, e não o emprego das técnicas tradicionais dos países do hemisfério norte.
(*) Samuel Murgel Branco é biólogo, professor, consultor de órgãos internacionais ligados à ONU e autor de vários livros paradidáticos da Editora Moderna, entre eles O desafio amazônico e o meio ambiente em debate.
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