domingo, 9 de janeiro de 2011

América Latina: Brasil Testa os Limites do Real

Novo plano econômico, proposto em março pelo ex-ministro Fernando Henrique Cardoso, tenta em caminho “original” para reajustes estruturais da economia nacional, na rota já percorrida por México, Chile e Argentina .
Incertezas, instabilidade econômica, desemprego e altas taxas de inflação têm sido palavras que denotam a crise pela qual o Brasil vem passando nos últimos anos. Tentando minimizar essa situação e ao mesmo tempo propor um futuro viável para o país – inclusive porque 1994, como se sabe, é um ano eleitoral - é que o governo brasileiro, no início de março, lançou um plano de estabilização econômica. Um dos pontos-chaves desse plano é a criação de uma moeda forte para o país, o “real”.
A “crise” , como é chamada e temida por todos, vem desde o início dos anos 80. Em suas origens estão, de um lado, o tipo de modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil e por várias nações latino-americanas, especialmente após a Segunda Guerra Mundial.
De outro lado, estão as mudanças pelas quais passou o sistema capitalista nas últimas duas décadas, e que acabaram por inviabilizar o modelo latino-americano de “substituição de importações”.
As três décadas posteriores ao final da Segunda Guerra foram para a América Latina de um crescimento econômico sem precedentes, embora ele não tenha sido igual e constante para todos os países da região. Brasil, Argentina e México se destacaram dos demais, não só por conta de apresentarem índices de crescimento bem mais expressivos, mas também porque conseguiram implantar significativos parques industriais. Foi o momento em que São Paulo e a região do ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano) se tomaram a maior concentração industrial e urbana da América Latina.
Contudo, os choques do petróleo de 1974 e 1979, juntamente com a elevação das taxas de juros internacionais no início dos anos 80, ocasionaram uma crise sem precedentes para os países da região. Ela atingiu a todos, mas com maior rigor aqueles que vinham baseando seu crescimento econômico em altos níveis de endividamento externo. Era o caso do Brasil, da Argentina e do México. Foi o começo de anos muito difíceis, que se prolongaram por mais de dez anos, a chamada “década perdida”.
O explosivo crescimento da dívida externa e a virtual inadimplência de muitos países (isto é, sua impossibilidade de saldá-la), levaram órgãos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a propor uma série de medidas que, se aplicadas,  supostamente saneariam a economia dos países endividados.
Essas medidas deram origem aos chamados ajustes estruturais, baseados em três pontos principais: l) a redução da participação do Estado no processo econômico, com a privatização de empresas estatais; 2) o equilíbrio das finanças internas, com a redução de gastos públicos (incluindo com educação, saúde e serviços básicos) e aumento nas arrecadações; 3) a abertura para os mercados externos, com a diminuição das taxas de importação e estímulo às exportações. Esse conjunto de medidas se adotadas, colocariam por terra o modelo anterior, baseado na participação ativa do Estado como agente econômico e na proteção dos mercados internos.
Para evitar esse “remédio” doloroso, alguns países - entre eles o Brasil - estiveram a um passo da moratória, isto é, declarar ao mundo a sua total inadimplência. Esse recurso, em geral apoiado e aplaudido pelos setores mais “nacionalistas’’ e de esquerda, foi abandonado por pressões dos órgãos financeiros internacionais. No início da segunda metade dos anos 80, foram tentados pelos países endividados planos econômicos chamados heterodoxos (como o Plano Cruzado no Brasil e o Plano Austral na Argentina) que não conseguiram resolver o impasse. Depois desses fracassos, só restou aos países latino americanos adotarem quase integralmente o modelo proposto pelo FMI. O México, a partir de 1988 e a Argentina, a partir de 1991 (Plano Cavallo), conseguiram promover, com altos custos sociais, seus ajustes estruturais.
O Brasil, no entanto, devido a certas peculiaridades - como a maior complexidade de sua economia, seu expressivo potencial em recursos, sua numerosa população e as especificidades de sua evolução política mais recente -, não havia conseguido acertar as grandes linhas de sua economia, cujo aspecto dramático mais visível são as altíssimas taxas de inflação. É no contexto dos novos parâmetros internacionais que se deve entender o plano de proposto pelo governo no início de março.
AS ETAPAS PARA A MOEDA FORTE, SEGUNDO FHC
“O nosso dinheiro não vale mais nada:
Perdi  totalmente a noção do preço dessas  coisas.” Frases como essas já se incorporaram ao vocabulário do dia-a-dia dos brasileiros.
Quase todos os segmentos da sociedade tendem a concordar que o país seria melhor se não houvesse tanta inflação e tivéssemos uma moeda forte. Mas alguns céticos chegam a afirmar que o brasileiro já incorporou uma “cultura inflacionaria”, e não conseguiria se adaptar a uma economia sem inflação ou com inflação baixa.
O plano de estabilização econômica pretende atacar de frente as altas taxas inflacionárias, e compreende três etapas.
A primeira etapa, que já vinha sendo posta em prática há algum tempo, busca um equilíbrio nas contas do governo, cortando os gastos, reduzindo os investimentos públicos e aumentando a arrecadação de impostos.
A segunda etapa, que coincidiu com o fomento formal do plano, teve como ponto mais importante a criação de um indexador econômico chamado Unidade Real de Valor, a URV. A URV não é uma moeda mas um índice de referência que é ajustado a cada dia, acompanhando mais ou menos a variação do dólar. Ela é a referência que o ‘governo vem utilizando para definir o valor dos salários, das tarifas públicas e outros pagamentos. Sendo controlada centralmente pelo governo, a URV não está sujeita às manobras especulativas que, por exemplo, fazem variar o diariamente o preço do dólar. Isto ê, trata-se de um mecanismo para manter a variação do valor da moeda dentro de certos limites fixados pelo governo. A URV é provisória, e servirá para que preços e salários caminhem mais ou menos juntos.
Quando salários, preços e gastos públicos estiverem razoavelmente estabilizados – esperasse que isso aconteça no início de junho -, a URV dará lugar a uma nova moeda, forte, sem memória inflacionária: o Real. A criação do Real seria a terceira etapa do plano econômico.
A URV nada mais é que uma ponte entre o desvalorizado e agonizante cruzeiro real e a nova moeda que estará provavelmente lastreada no dólar. Acreditam os idealizadores do plano que, quando o real for instituído, a inflação estará próxima a zero. Será que dá para imaginar o Brasil do Real?

Nenhum comentário:

Postar um comentário