ATENTADO EXPÕE FRATURAS NO MÉXICO
No rescaldo do levante indígena de Chiapas, o assassinato de Luís Donaldo Colosio, candidato do PRI (Partido Revolucionário Institucional) à Presidência, em 23 de março, provoca operação salvamento” do sócio pobre do Nafta .
Chiapas e Tijuana: o México tem dois novos símbolos, que sintetizam sob a forma da tragédia a sua condição de espaço de fronteira entre dois mundos.
Menos de três meses depois do início do levante zapatista de Chiapas, o assassinato misterioso do candidato oficial à presidência, em Tijuana, deflagrou ondas de choque que ameaçam destruir o que restou da tradicional estabilidade mexicana.
As repercussões da tragédia atingem o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e engajam os Estados Unidos em uma “operação de salvamento” do sócio terceiro-mundista.
Os tiros à queima-roupa disparados por Mário Aburto Martínez contra o candidato do PRI (Partido Revolucionário Institucional), Luís Donaldo Colosio, no dia 23 de março, perto da fronteira mexicano-americana, abriram um novo capítulo de uma crise que se desenvolve desde a eleição presidencial de 1988. Essa crise é a da erosão da hegemonia do PRI, o partido que governa o país ininterruptamente há 65 anos.
Nas presidenciais de 1988, a vitória do candidato oficial Carlos Salinas de Gortari dependeu de uma operação de fraude inédita até mesmo para os padrões mexicanos. Era o resultado da longa recessão da década de 1980 e do esgotamento do modelo econômico n a c i o n a l d e senvolvimentista inaugurado pela Revolução de 1910-1917. O Estado paternalista, autoritário e burocrático, ancorado no Partido que funcionou por décadas como se fosse um partido único ingressava em um período de perigosa turbulência.
Salinas de Gortari consumiu os seis anos do seu mandato na edificação dos alicerces de um México renovado. No plano econômico, investiu contra o protecionismo e as estatais, aplicando as receitas amargas do FMI (Fundo Monetário Internacional) e expondo o mercado interno à concorrência estrangeira. No plano institucional, esboçou tímidas reformas nos procedimentos eleitorais corruptos e viciados, marginalizando as alas mais ortodoxas do PRI. No plano diplomático, costurou o ingresso do país no Nafta, definindo um novo lugar para o México no mundo, à sombra do gigante norte-americano.
O ingresso oficial do país no Nafta, a 1° de janeiro, representaria o coroamento da longa marcha do presidente. Entretanto, nessa data histórica, a revolta de Chiapas convulsionou todo o cenário. Os guerrilheiros indígenas, mal armados mas determinados, borraram o desenho primeiro mundista montado para a ocasião. Pedindo investimentos sociais na região meridional, revelaram a proximidade social entre o México e a América Central. Reivindicando a reforma das instituições e invocando a memória de Emiliano Zapata, lançaram uma flecha envenenada na direção do PRI.
A crise parecia contornada até o atentado de Tijuana. Retrocedendo ao impulso repressivo inicial, o governo entabulou negociações políticas com os guerrilheiros, comprometendo-se a aprofundar as reformas políticas. Luís Donaldo Colosio, o sucessor indicado por Salinas de Gortari segundo os velhos métodos autoritários do PRI, marchava para uma vitória folgada na eleição presidencial de agosto.
O assassinato de Colosio desmontou a unidade do PRI. Setores ortodoxos do Partido apontaram um dedo acusador na direção do palácio presidencial de Los Piños. Porta-vozes de Salinas de Gortari insinuaram que os mandantes podem estar entre os acusadores. O subcomandante Marcos, líder zapatista, enxerga na guerra de facções que se desenvolve nos subterrâneos do poder a causa do assassinato do sucessor.
Aburto Martinez pode até ser um desequilibrado que agiu sozinho, mas os tiros que disparou lançaram uma nuvem sobre o pleito mexicano. O sinal de alarme soou na Casa Branca e Bill Clinton apressou-se em antecipar o anúncio formal do ingresso do México na OCDE (Organização para a Cooperação e D e s e n v o l v i m e n t o Econômico, que reúne os países ricos). Não contente, abriu uma linha especial de crédito de US$ 6 bilhões para o vizinho do sul.
A administração americana teme a desestabilização do PRI e a perda da confiança dos investidores internacionais no México. Essa hipótese, aberta pela soma de Chiapas com Tijuana, poderia significar o fracasso de todo o projeto pan-americano que tem no Nafta a sua pedra fundamental.
“O ESTADO É O CAPITAL, O TRABALHO E O PARTIDO”
OCTAVIO PAZ (*)
“O Estado revolucionário fez algo mais do que crescer e se enriquecer. Como o Japão durante o período Meiji, através de uma legislação adequada e de uma política de privilégios, estímulos e créditos, promoveu e protegeu o desenvolvimento da classe capitalista. O capitalismo mexicano nasceu muito antes da Revolução, porém amadureceu e se estendeu até chegar a ser o que é graças à ação e à proteção dos governos revolucionários.
Ao mesmo tempo, o Estado estimulou e favoreceu as organizações operárias e camponesas. Esses grupos viveram e vivem à sua sombra, já que são partes do PRI. Não obstante, seria inexato e simplista reduzir sua relação com o poder público à de súdito e senhor. A relação é bem complexa: por um lado, num regime de partido único como é o do México, as organizações sindicais e populares são a fonte quase exclusiva de legitimação do poder estatal; por outro, as uniões populares, sobretudo as operárias, possuem certa liberdade manobra. O governo necessita dos sindicatos tanto quanto os sindicatos do governo [...].
Por último, não contente com impulsionar e, em certo sentido, modelar à sua imagem e semelhança o setor capitalista e o operário, o Estado pós-revolucionário completou a sua evolução com a criação de duas burocracias paralelas. A primeira é composta por administradores tecnocratas [...]. É a mente e o braço da modernização. A segunda, formada por profissionais da política, é a que dirige, nos seus diversos níveis e escalões, o PRI. As duas burocracias vivem contínua osmose e passam incessantemente do Partido para o Governo e vice-versa.
[...] Não é difícil comprovar que o poder central, no México, não reside no capitalismo privado nem nas associações sindicais, nem nos partidos políticos, mas no Estado. Trindade secular, o Estado é o Capital, o Trabalha e o Partido [...] No México, o Estado pertence à dupla burocracia: a tecnocracia administrativa e a casta política. Pois bem, essas burocracias não são autônomas e vivem em contínua relação – rivalidade, cumplicidade, alianças e rupturas – com os outros dois grupos que compartilham a dominação do país: o capitalismo privado e as burocracias operárias.”
(*) Trechos extraídos do livro “O Ogro Filantrópico”
Nenhum comentário:
Postar um comentário