Terminada a Guerra Fria, a busca da eficiência econômica e competitiva internacional substitui as antigas doutrinas de “equilíbrio do terror” e de segurança nacional. Chile e México foram os primeiros a adotar a “modernidade” neoliberal em face da nova realidade mundial.
Até 1989, a divisão do mundo em blocos geopolíticos (capitalista e socialista) determinava uma composição rígida das relações entre os Estados. Qualquer consideração econômica ou política de um determinado Estado era, necessariamente, subordinada à relação desse Estado com Washington e Moscou.
O fim da Guerra Fria liberou os Estados das amarras representadas pelos compromissos ideológicos. Os interesses econômicos passaram ao primeiro plano. O neoliberalismo – cortes nos gastos públicos com saúde, educação e assistência social, privatização das estatais e “austeridade” nos salários – surgiu como a receita infalível do sucesso. Mas, no quadro de uma economia interdependente, as economias nacionais sofreram uma irresistível tendência a acelerar a formação de mega blocos já em gestação (como a Comunidade Européia), ou de criar novos mega blocos.
Na América, isso se refletiu num processo de formação eventual de dois mega blocos: o Mercosul – Mercado Comum do Sul – criado pelo Tratado de Assunção em março de 1991, englobando Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e o Nafta –North America Free Trade Agreement – Acordo para o Comércio Livre na América do Norte, lançado em agosto de 1992, com Estados Unidos, Canadá e México. Nafta e Mercosul espelham realidades distintas, que explicitam a equação de forças real nas Américas: ao norte, o Nafta, o mercado mais poderoso do mundo que “englobe” o México no outro extremo geográfico, o combalido Mercosul. No meio, o Chile pós-Pinochet , experimentando um aparente “boom”; a Venezuela, sentindo o peso de uma economia que já não conta com os petrodólares dos anos 70, e os países andinos (Peru, Colômbia e Bolívia), em que o narcotráfico é a principal atividade econômica .
Há mais dúvidas do que certezas quanto às possibilidades reais de formação do Mercosul – cujo objetivo é eliminar barreiras econômicas entre os países membros e possibilitar a criação de um mercado comum em 1995. Em primeiro lugar, os Estados Unidos não viram com simpatia o surgimento de qualquer bloco econômico com um mínimo de poder e autonomia reais ao sul da América. Só aceitaram o Mercosul que funcionasse como seu cliente e subordinado. Além disso, há uma longa tradição de desconfiança entre Brasil e Argentina, alimentada pelas ditaduras militares nos anos 70. Os dois países sempre tiveram pretensões de hegemonia regional, coisa que chegou a se expressar numa surda e jamais confessada corrida pela bomba atômica. Essa situação só foi amenizada (mas não de fato resolvida) quando os militares deixaram o poder. Em 1990, os presidentes Collor e Menem assinaram a Ata de Buenos Aires, que lançava a idéia geral do Mercosul, conquistando a adesão, em seguida do Paraguai e Uruguai. De um ponto de vista puramente econômico, é muito difícil imaginar a integração de economias com perfis tão díspares quanto a brasileira e a argentina. O Plano Cavallo de dolarização levou a Argentina a uma posição economicamente muito mais próxima ao Nafta do que ao Mercosul 7). Por razões semelhantes, aliás, o Chile preferiu não aderir ao Mercosul. Preserva a possibilidade de vir a integrar ao Nafta.
Chile e México foram os pioneiros na aplicação de planos de “modernização” de inspiração neoliberal, como praticado na Argentina (mesmo que não tenham dolarizado suas moedas).
Por isso, nesses países os efeitos da “receita de modernidade” São hoje mais visíveis. O denominador comum é o surgimento de um crescimento aparente, que beneficia poucos e que apenas encobre a miséria real da maioria.
CHILE - O LEGADO DE PINOCHET
O Chile foi o primeiro país da América Latina a fazer reformas estruturais de sua economia, ainda na metade dos anos 80. Pinochet cortou em 1/3 os investimentos com saúde, educação e moradia. Quando Pinochet deixou o poder, em 1989, o presidente eleito Patrício Aylwin deu uma continuidade de quase total à política econômica de seu antecessor.
Com um reduzindo mercado interno (13,5 milhões de babitantes), o Chile abriu suas portas para as importações, e estimulou ao máximo as exportações. Com isso, promoveu o crescimento dos setores produtivos voltados para o mercado externo e da área de serviços. Produziu, assim, um aparente boom econômico, mas que não integrou a maioria da população ao mercado.
Ao contrário, aumentaram a marginalidade e a pobreza. Foi apenas reforçado o tradicional sistema de concentração das riquezas. O Chile “rico” vem tendo crescimento econômico contínuo ao longo dos últimos dez anos –o que torna os seus resultados muito mais consistentes que aqueles exibidos por México e Argentina, do ponto de vista de um mercado potencialmente atraente para o Nafta. Com um PIB que cresceu 10,4% em 1992 (índice só superado pelo da China), apresenta baixas taxas inflacionárias e certa estabilidade de suas instituições políticas, “vigiadas” por Pinochet.
A “vocação natural do Chile para o Pacífico”, fórmula utilizada por economistas e estrategistas geopolíticos chilenos, também reforça a tendência do país para a integração ao Nafta. Os países da Bacia do Pacífico tendem a configurar o mais importante palco geopolítico do próximo século, por conta de sua potencialidade econômica e populacional. Não seria nada estranho que os estrategistas de Santiago fizessem sua grande aposta nesse sentido.
MÉXICO - O AZAR DA GEOGRAFIA
Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos – a política externa mexicana nos últimos 150 anos foi marcada pelo relacionamento com o seu grande vizinho do norte.
Ao longo do século 19, os EUA incorporaram quase 40% do território mexicano, pela astúcia ou força. O Nafta consagra essa história. O processo que preparou o ingresso do país ao Nafta foi iniciado com a eleição de Carlos Salinas de Gortari (1988), que aplicou os “ajustes estruturais”:
1 – privatização das empresas estatais, com uma diminuição drástica da participação do Estado na economia (em 1982 existiam 1.156 estatais; em 1992, apenas 30). As privatizações renderam cerca de 40 bilhões de dólares, parcialmente aplicados no Pronasol (Programa Nacional de Solidariedade), como investimentos na infraestrutura produtiva. O último grande setor ainda não privatizado é o petróleo.
2 – redução dos déficits públicos, com o enxugamento da máquina governamental, aperto nos salários e dispensa de funcionários, gerando uma crise social sem precedentes.
3 – abertura para o mercado externo, com reorientação da produção para a exportação e redução importante nas alíquotas de importações. Isso vem gerando um grande déficit comercial, estimado, em 1993, em 27 bilhões de dólares.
Para sobreviver, grande parte da população recorreu à economia informal e ao contrabando através da fronteira com os EUA. Além disso, aumentou radicalmente, nos últimos anos, o número de imigrantes ilegais que buscam oportunidade nos EUA. Esse fluxo migratório ilegal é fonte de desmoralização nacional e tensões sociais. De certa forma, essa questão explicita a realidade que a retórica dos governos sobre “amizade” e “prosperidade” pretende encobrir.
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