NEWTON CARLOS Especial para o Mundo
Muito se falou em “redemocratização” da América Latina como grande fenômeno político regional dos anos 80. Contabilidades recheadas de orgulho. Pela primeira vez, dizia-se, os regimes constitucionais cobrem o continente americano de ponta a ponta.
A selvageria dos anos de chumbo, das doutrinas de segurança nacional, havia cedido lugar a uma nova era de civilismo político.
Mal começaram os anos 90, no entanto, ficou claro que o fenômeno é frágil. Golpe no velho estilo no Haiti. Golpismo com veleidades populistas na Venezuela (em abril de 1992), uma das democracias latino-americanas de maior longevidade. De botas militares e paletó civil no Peru, onde o presidente Alberto Fujimori, quase que simultaneamente ao golpe na Venezuela, lançou nova moda que logo se mostrou grande poder de sedução. Tentativa de reprodução do fujimorismo na Guatemala, pelo então presidente Jorge Serrano Elias, em Junho de 1993.
Além disso, a permanência no Chile da democracia “protegida”, sob os dispositivos da Constituição preparada e promulgada nos tempos do general Augusto Pinochet (1973-1989).
O presidente do Chile continua sem o direito de alterar o Alto Comando militar, um Estado dentro do Estado. O ex-ditador Pinochet é inamovível do comando do Exército. Pressões para que isso acabe, e o chefe do governo recupere os seus poderes constitucionais de comandante-chefe resultaram em “inquietações militares”, no final de maio. Tropas fiéis a Pinochet, trajando uniforme de combate, cercaram o palácio do governo de La Moneda.
Como preservar o que foi ganho nos anos 80? Com intervencionismo, foi a posição dominante na última assembléia-geral da Organização dos Estados Americanos )OEA), realizada este ano me Manágua (capital da Nicarágua).
A OEA deve praticar plenamente os seus poderes de guardiã da democracia no continente, assumidos dois anos antes, Se preciso, deve atuar em combinação com a Organização das Nações Unidas e outros países “decisivos”, como os Estados Unidos no caso do Haiti. Pressionar, decretar embargos, em última instância empregar a força etc.
O secretário-geral da OEA, o brasileiro Baena Soares, pediu cautela e uma “visão mais ampla” da questão. Ele é da opinião de que combater a pobreza é o melhor meio de defender a democracia. Conseguiu aprovar que tratará da “estratégia regional anti pobreza”. Mas os advogados do intervencionismo foram mais estridentes e conseguiram maior cobertura da mídia que cobriu a reunião em Manágua.
O cientista político francês Alain Touraine concorda com a tese defendida por Baena Soares. Para ele, a questão democrática só será realmente resolvida na América Latina se antes for encontrada uma solução para outra questão, a da “dualidade” econômica, social e política: alguns poucos têm tudo e muitos vivem na miséria, não têm nada. Aliás Touraine vai mais longe.
Diz que não se pode falar em “redemocratização” da América Latina, porque na realidade não há democracias dignas desse nome entre nós.
Sabem por que nos Estados Unidos nunca há golpes de Estado? – pergunta Terence Todman (ex-embaixador americano na Argentina), quando conta uma de suas piadas preferidas. Porque lá não existe embaixada americana.
(Frase extraída do livro Misión Cumplida (editora Planeta, Buenos Aires, 1992), do jornalista argentino Martín Granovski, que denuncia a permanente ingerência das embaixadas dos Estados Unidos nos assuntos internos dos países latino-americanos, e especificamente na Argentina).
Há um ano, no Brasil, a Comissão Parlamentar de Inquérito do “caso” PC Farias aprovava o relatório que conduzia ao impeachment do ex-presidente Collor. O Brasil reafirma a opção democrática e apontava um caminho, que seria seguido pela Venezuela. Lá, a crise gerada pela dívida externa e queda dos preços do petróleo ameaçava implodir uma das raras democracias tradicionais da América Latina. No centro do furacão, encontrava-se o governo corrupto Carlos Andrés Perez, acossado por tentativas de golpes militares do oficialato médio. Em maio passado, o Senado venezuelano autorizou a abertura de processo de impeachment, afastando temporariamente o presidente. Mas a democracia está longe de ser a regra no sub-continente.
O auto golpe de Alberto Fujimori, no Peru, em abril de 1992, sob o pretexto de combater a guerrilha do Sendero Luminoso instalou um regime autoritário, apoiado no Exército. A tutela das Forças Armadas sobre governos eleitos aparece no Chile e na Nicarágua: acordos políticos reservaram o comando militar Ortega no segundo. Regimes autoritários parecem entrar em dissolução no Paraguai, onde as eleições recentes mantiveram no poder o eterno Partido Colorado mas assinalaram um curso democratizante, e no Haiti, onde um acordo patrocinado pela ONU e OEA deve conduzir à renúncia do ditador Raoul Cedras e à volta, em outubro, do presidente eleito Jean-Bertrand Aristide. No Panamá, foi a invasão americana de dezembro de 1989 que deu ao atual presidente. A instabilidade política devasta a América Latina, atravessada pela maior crise econômica da sua história. Nesse ambiente, florescem guerrilhas esquerdistas na Colômbia – onde o narco terrorismo constitui ameaça ainda maior – e na Guatemala – onde a recente tentativa de golpe do general Serrano foi abortada pela reação diplomática internacional .
CUBA
Crise do castrismo dissolve mito de 30 anos
Não houve festa em Havana no último dia 26. Pela primeira vez, desde que Fidel Castro e Che Guevara entraram triunfalmente na capital da ilha para assumir o poder, em janeiro de 1959, a data mais importante da Revolução não teve comemoração oficial. O motivo – falta de verbas – ilumina o impasse em que se encontra um dos últimos regimes socialistas.
Há 40 anos, no dia 26 de julho de 1953, um grupo de jovens intelectuais, revolucionários ardorosos, empreendia a tentativa fracassada de derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista através do assalto ao quartel Moncada. Era o ato inicial da saga guerrilheira que virou mito: a revolução romântica às margens do Caribe e na fronteira da maior potência do mundo. O mito cubano, cujo brilho resplandecia sob o pano de fundo da miséria latino ame r i c a n a , a s s e n t o u - s e sobre a noção de uma revolução imaculada. A natureza de Cuba prolongou-se como ideologia – a crença num lugar isolado da política mundial e do jogo de poder, que lutava em nome de um sonho.
Por décadas, muita gente acreditou nisso. Quando Che Guevara renunciou ao posto de ministro da Economia – provavelmente em conflito com Fidel – e anunciou que se dedicaria à exportação da revolução América Latina, milhares de jovens encheram-se de esperança e aderiram à luta armada contra as ditaduras que infestavam o subcontinente.
Quando Che foi fuzilado, em uma emboscada militar na selva boliviana, em 1967, a aura da tragédia endureceu as convicções dos guerrilheiros, na Argentina, Uruguai, Brasil, Colômbia e tantos outros lugares.
Através do mito, a Cuba real evoluiu como peão da política mundial de Moscou no ambiente conflitivo da Guerra Fria. A adesão da ilha a Moscou foi um processo traumático, condicionado pela agressão americana: o boicote econômico de 1960, a tentativa de invasão de exilados anti-castristas na Baía dos Porcos em 1961, a Crise dos Mísseis de 1962. Foi aí que Fidel uniu seu Movimento de 26 de Julho ao então inexpressivo Partido Comunista Cubano e livrou-se dos velhos companheiros que de cana e fornecia o petróleo em condições excepcionais, gerando um subsídio médio anual de bilhões de dólares. Esse cordão umbilical começou a ser cortado pela perestroika e foi rompido com o fim da URSS, no final de 1991. Desde então, uma crise terminal devasta a economia cubana, submetida ao racionamento de energia e alimentos.
O projeto de sobrevivência do castrismo resume-se a “Opção Zero”, que prevê uma economia de guerra, inteiramente isolada e a conseqüente intensificação da repressão interna.
Castro enfrenta as novas medidas de boicote comercial anunciadas em Washington estimulando o turismo e introduzindo tímidas reformas. O plano inclinado pelo qual escorrega a ilha aponta para convulsões internas trágicas.
Coisas que os ditadores fizeram...
Mais de 7 mil operários,estudantes, camponeses, intelectuais e trabalhadores brasileiros foram denunciados e presos por subversão pela ditadura militar brasileira (1964- 85). Destes, um número ainda não estabelecido definitivamente “desapareceu” ou foi submetido a torturas nas prisões militares.
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Calcula-se que pelo menos 30 mil pessoas “desapareceram” durante a ditadura militar Argentina (1976-83). Em 1983, todos os “desaparecidos” foram declarados mortos pelos generais argentinos, causando uma comoção internacional. Os militares “cara pintadas”, defensores dos métodos adotados pela ditadura argentina, permanecem ativos e impunes.
São uma ameaça permanente às instituições democráticas naquele país.
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A ditadura do general Augusto Pinochet (1973-89) foi umas das mais sangrentas. Foi iniciada com um golpe de Estado que depôs o presidente Salvador Allende, em 11 de setembro.
Pinochet usou o Estádio Nacional de futebol como um imenso campo de concentração, onde foram torturados e assassinados presos políticos. O cantor e compositor de músicas de protesto Victor Jarra teve seu braço decepado e depois foi morto nesse estádio.
...e coisas que eles disseram Quero que o povo me esqueça (General João Batista Figueiredo, em 1985, ao final de seu mandato como presidente do Brasil, o último do ciclo militar iniciado em 1964).
Na América Latina, a democracia não está preparada para assumir uma atitude de mudança como a minha.
(Alberto Fujimori, presidente do Peru, comentando seu auto golpe, em junho de 1993)
Não consultei ninguém antes de fechar o Congresso e a Corte Suprema.
(Fujimori, idem)
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