quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

China é o Grande Barril de Pólvora do Pacífico

Apesar do aparente crescimento econômico, a abertura do país ao capitalismo, combinada com a feroz ditadura do PC, cria contradições sociais e políticas que compõem um potencial perigosamente explosivo .
Um barril de pólvora – a expressão, já gasta, ainda é a que melhor descreve a China. Entre outubro de 1949 – quando o Partido Comunista de Mao Zedong  tomou o poder – e agosto de 1976 – quando Mao morreu – a China viveu sob uma feroz ditadura stalinista. O PCC praticou o culto à personalidade de Mao (o “Grande Timoneiro”), e impôs reformas econômicas e sociais – como a política das Cem Flores (1956-57), as Três Bandeiras Vermelhas (1957-66) e a Revolução Cultural (anos 60) – que prometiam “liquidar os traidores do socialismo” e conquistar o paraíso na Terra, e que, invariavelmente, terminavam em desastre absoluto e milhões de mortos. Após a morte de Mao, a China passou a ser governada pelo “pragmático” Deng Xiaoping. Deng arquitetou as “quatro modernizações” – no campo, na indústria, na cultura e na ciência e tecnologia. Tornou-se famosa a sua frase segundo a qual não importa a cor do gato, se for eficaz para caçar o gato.
Deng permitiu a iniciativa privada em setores de comércio, como o de alimentos – no início timidamente e depois com maior ousadia. Em 1988, a China passou de importadora a exportadora de alimentos.
Mas o aspecto mais ousado das reformas foi a criação, em 1984, de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), ligadas a Hong Kong, perto de grandes cidades costeiras e de Taiwan. Nas ZEEs, depois transformadas em regiões inteiras, as empresas capitalistas são convidadas a investir em troca de benefícios fiscais (em certos casos, isenção total de impostos) e mão-de-obra com um dos menores custos do planeta. Um documentário da rede britânica BBC constatou trabalho escravo em algumas das regiões.
Algumas cifras dão uma idéia do que a abertura parcial da China significa para a Bacia do Pacífico. Apenas entre 1987-91, o deslocamento de indústrias de Hong Kong para o sudeste da China causou queda de 20% dos empregos industriais em Hong Kong (que deverá ser reintegrada à China em 1997). Pelo menos 12 mil empresas de Taiwan já operam na China. Em 1991, o comércio com a Coréia do Sul teve aumento de US$ 3 bilhões sobre o de 1990.
Intensificam-se negociações com Tóquio para investimentos de larga escala.
O resultado é um aparente “boom”.
Em 1991, a elevação do PIB foi de 7,8% (3,7% em 1990) e expansão de 14% na produção industrial (4,8% em 1990) e inflação de 3,4% (20% em 1990). Mas a contrapartida é uma corrupção desenfreada na cúpula do PC, associada a uma repressão que impede qualquer contestação. A corrupção chegou a tal ponto que em 8 de abril o ministro da Segurança Pública, Tão Siju, elogiou como “patriotas” as Tríades, máfias que exploram prostituição, contrabando e narcotráfico em Hong Kong, Taiwan e China.
Há regiões de pobreza absoluta. A cada ano, 9 milhões de crianças nascem “clandestinamente” porque os casais têm medo de declarar seu nascimento, contrariando um decreto de contenção demográfica (a população soma 1,2 bilhão).
E o “boom” econômico não é distribuído igualmente. AS dez províncias costeiras da China concentram 73% do comércio internacional, ao passo que as outras vinte vivem à míngua.
Até agora, o PC conseguiu abafar as tensões sociais, com repressão e centralização total do poder nas mãos de Deng. Mas Deng, 86 anos, já dá sinais de caducidade. A disputa pela sua sucessão já sinaliza uma guerra na cúpula do PC – chefes de províncias, generais e burocratas disputam uma guerra na cúpula do PC – chefes de províncias, generais e burocratas disputam o espólio socialista chinês.
Qualquer brecha na cúpula permitirá que o descontentamento social aflore. Isso teria repercussões graves e imediatas na Bacia do Pacífico.
Cuba
Pressionado por uma grave crise, Fidel Castro restabeleceu tímidos princípios de economia de mercado em Cuba, 40 (v. Mundo n° 4, pág anos após as revolução  que colocou a ilha na trilha do estadismo  socialista.
As contradições se acumulam. A maior liberdade econômica só realça a total ditadura política. Como os cubanos estão sentindo isso?
Os trechos abaixo, de um relato de viagem, mostram que a resposta não é simples.
Nas ruas o nacionalismo cubano. Frases enaltecem os “mártires da Revolução” e atacam os Estados Unidos.
Os hotéis são redomas de proteção aos turistas. Eu mesma, com a aparência de “cubanita”, tenho que mostrar o meu passaporte como prova de que sou estrangeira. Na sorveteria Coppélia, próxima à Praça da Revolução, o mal-estar é maior. O turista leva três minutos para comprar um sorvete; o cubano, três horas.
Mas todos dizem que tratar bem o turista é a melhor saída para Cuba .
Viva Fidel,  o “Comandante”.
A confiança dos cubanos em Fidel Castro, chefe do PC e presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, é demonstrada no dia do seu discurso em Santiago. O país pára. Fico emocionada ao ouvi-lo de perto, mesmo não sendo castrista.
Fidel: “tudo dependerá da capacidade do povo compreender os problemas e apoiar as medidas para salvar o país (…) Defenderemos ou não a pátria, a revolução e o socialismo até o fim?” – e o povo, otimista e em festa, responde: “Sim”. Parece um final de Copa.
Estudante não paga,
Os estudantes são privilegiados.
Recebem para estudar. Têm entrada muito mais barata e consumo gratuito nos cinemas e teatros (sem terem que apresentar carteirinha), além de livros subsidiados.
Podem  como os turistas, freqüentar a bela praia de Veradero. Os demais cubanos não são impedidos de visitá-la, mas as deficiências em matéria de locomoção formam uma barreira “natural”.
“Apagón”
A energia é racionada, com corte na transmissão (“apagón”) em sistema de rodízio. AS casas não afetadas pela falta de luz expõem os aparelhos de TV nas janelas, para que os vizinhos atingidos acompanhem a programação.
A burocracia
Conheci o presidente da Federação dos Estudantes Universitários e seu pai, Raul Hernandez, Ministro da Educação. Moram no prédio mais alto de Havana, um apartamento por andar, instalações comparáveis às de um hotel 5 estrelas. Mas Raulzito tem cota de gasolina igual à de qualquer cubano, e estuda na mesma universidade que o filho de um trabalhador. É a igualdade na diferença.
(*) Luciana Worms, 23, é bailarina clássica, cursa o
4° ano de Direito da USP e é profª de Geopolítica
do Anglo Vestibulares. Participou, em julho, de encontro internacional de juristas de Cuba.
SERVIÇO
• Revolução em Três Tempos – URSS,
Alemanha, China, José Arbex Jr., Moderna, SP, 1993

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