Para a Anistia Internacional, resultados da Conferência de Viena foram “um tapa na cara da humanidade”
Os Estados Unidos e a China foram os protagonistas da fracassada Conferência Internacional sobre os Direitos Humanos, a primeira em 25 anos, que reuniu 5 mil representantes de 180 países em Viena (Áustria), entre 14 e 25 de junho. O impasse entre as posições das duas potências refletiu-se numa declaração final vazia e na transformação das propostas práticas em meras sugestões à Assembléia Geral da ONU. A Anistia Internacional – que preparou um encontro de 800 Organizações Não-Governamentais (ONGs) anterior à Conferência – classificou o resultado como um “tapa na cara da humanidade”.
Warren Cristopher, secretário de Estado dos EUA, sustentou a tese da universidade dos direitos humanos, que se situariam acima e além dos interesses nacionais. Apoiado pelos europeus e Rússia, defendeu a criação de um Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, capaz de recomendar ao conselho de Segurança a adoção de punições contra violadores dos direitos humanos.
Elevados ideais e causas nobres estiveram sempre associados à política externa dos Estados Unidos. A Doutrina Monroe (1823) justificava a expansão dos EUA nas Américas através de uma retórica anti-colonialista. A Doutrina Truman (1947), que deflagrou a Guerra Fria, erguia-se sobre noções democráticas de contenção do comunismo.
O discurso de Cristopher em Viena coincidiu com bombardeios aéreos de forças da ONU atingindo áreas civis de Mogadíscio (Somália) e precedeu os ataques com mísseis cruise promovidos pelos EUA contra Bagdá (Iraque). Sob o disfarce dos direitos humanos, a diplomacia americana tenta concentrar no Conselho de Segurança poderes de ingerência global, visando legitimar o papel de xerife dos EUA na “nova ordem mundial”.
A China – à frentes de Estados asiáticos, árabes, muçulmanos e africanos – sustentou a tese do relativismo cultural, segundo a qual o significado dos direitos humanos varia de país para país e depende da sua história, cultura e grau de desenvolvimento.
Opondo-se à criação de órgãos da ONU para os direitos humanos, defendeu o velho princípio da soberania nacional.
O medo do mundo exterior e a tentação do isolamento moldaram a política externa na China. A Revolução Chinesa (1949), que conduziu os comunistas ao poder, representou uma reação ao trauma do século precedente, quando o imperialismo europeu rompera o tradicional isolacionismo do Império do Centro.
Mesmo hoje, quando a economia da China litorânea se internacionaliza, o isolamento se mostra na permanência da ditadura do PC.
Sob o princípio da soberania nacional, oculta-se o poder de repressão dos regimes tirânicos, ilustrado pelo massacre dos estudantes na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em junho de 1989. Com o fim dos blocos geopolíticos, a noção de soberania nacional surge como escudo para a negação das liberdades civis e dos direitos das minorias étnicas.
A Conferência de Viena transcorreu sob o signo da geopolítica dos Estados. Para além do conflito diplomático entre o direito à ingerência e soberania nacional, ela iluminou a oposição inconciliável entre a política de poder das potências e os direitos democráticos dos povos.
Mais de 90 jovens com idade entre 15 e 17 anos foram condenados à morte nos EUA desde os anos 70 (24 dos 36 Estados da União em que a pena de morte é aplicada permitem a execução de menores de 18 anos). Os EUA são um dos únicos países em que se executam menores (os outros são Irã, Iraque, Nigéria, Paquistão e Bangladesh).
AI examinou 23 casos de execução de menores. A imensa maioria procede de famílias miseráveis. Em muitos casos, os pais eram alcoólatras ou doentes mentais.
Doze dos 23 sofreram, em sua infância, maus tratos e abusos sexuais (10 usavam álcool e drogas desde muito cedo). Em 14 dos casos, havia indícios de enfermidade mental ou lesões cerebrais; 11 tinham quociente intelectual (QI) inferior a 90 (o QI médio normal é superior a 100).
A maioria foi defendida por advogados negligentes, que não se dedicaram a preparar os casos. Houve vários casos de racismo (júri composto só de brancos que condenaram réus negros). Em alguns casos, o júri sequer foi informado de que os réus eram menores.
EDITORIAL
Segundo o relatório anual da Anistia Internacional (AI), divulgado em julho, em 1992 houve prisioneiros de consciência em pelo menos 62 países; mais de 110 governos usaram a tortura; em 45 países, recorreu-se ao homicídio para exterminar dissidentes e “perturbadores da ordem”. Destacam-se a barbárie cometida na guerra civil na antiga Iugoslávia, e o fato de permanecerem impunes os responsáveis pelo extermínio de 111 seres humanos na Casa de Detenção do Carandiru, em SP , em outubro de 1991. Os Direitos Humanos, em síntese, são totalmente ignorados pelos governos, apesar de consagrados pelas Nações Unidas em 1948. “Os governos continuam colocando a política adiante da vida das pessoas”, conclui a AI. A própria “força da paz” da ONU, aliás, colocada a serviço dos Estados Unidos, pratica massacres contra o povo da Somália.
Mundo acredita ser seu dever – e o de todos os que defendem a democracia – posicionar-se diante desse quadro tão opresso quanto inaceitável. Por essa razão, Mundo filiou-se à AI, organização independente, mundialmente conhecida e respeitada. Mundo passará a publicar regularmente, nesta página, denúncias da AI sobre violação dos Direitos Humanos, no Brasil e no Mundo.
Esperamos que essa atitude estimule a reflexão e a ação de nossos leitores em defesa dos mais elementares direitos dos cidadãos – o que inclui os seus próprios direitos.
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