A chamada nova ordem internacional vem apresentando como uma de suas características principais a estruturação do mundo em mega-blocos econômicos, que substituíram o esquema da Guerra Fria marcado pela bipolaridade entre as superpotências.
Três Mega - blocos econômicos podem ser identificados na atualidade: um sediado na Europa, conhecido como Comunidade Econômica Européia (CEE), um comandado pelos Estados Unidos na América do Norte (o Nafta, North America Free Trade Agreement), e outro estruturado em torno do Japão no Estremo Oriente.
A CEE é o que se encontra no estágio mais avançado de integração. Foi também, o primeiro a se constituir, logo após a Segunda Guerra Mundial.
Sempre existiram ideais de unidade política no continente europeu. No entanto, as tentativas de união sempre foram feitas sob o comando de uma só nação, usando a força como recurso. O Império de Carlos Magno, a Europa napoleônica ou a hitleriana ilustram bem essas tentativas.
E Europa que emergiu dos escombros da Segunda Guerra Mundial apresentava condições para que os antigos ideais de unificação pudessem ser retomados.
Só que nesse momento materializava-se a idéia de que a complementariedade econômica poderia apresentar muito mais vantagens do que a integração pela força.
A Comunidade Européia representa o estágio mais avançado de integração da economia já alcançado numa união de países . O primeiro passo dado no sentido da maior integração da Europa foi dado em 1952 com a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca), formada por seis países: França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.
A idéia inicial era a de se partir de um setor econômico, o siderúrgico, para se iniciar um processo mais amplo que poderia levar a uma possível integração política.
A escolha do setor siderúrgico estava ligada ao fato de que esta indústria era muito importante tanto para a França como para a Alemanha. Devido à tradicional rivalidade entre esses dois países, era essencial que o controle da Ceca fosse exercido por um poder acima dos países e dentro de um conjunto maior de Estados.
Em 1957, os seis países da Ceca assinaram o Tratado de Roma que deu origem à Comunidade Econômica Européia (CEE) e à Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom).
A Ceca, a CEE e a Euratom são três organizações distintas, cada uma com seu tratado de criação e suas próprias instituições. Em 1967, estas organizações se fundiram sob a denominação genérica de Comunidades Européias.
A CEE (também chamada de Mercado Comum Europeu, ou simplesmente CE, Comunidade Européia) era a mais importante dessas organizações, e tinha uma série de objetivos, entre os quais o de abolir gradativamente as limitações para a livre circulação de indivíduos, mercadorias, capitais, e serviços – as chamadas quatro liberdades fundamentais.
O número de países-membros da CEE, a partir dos anos 70, começou a crescer com a adesão da Grã- Bretanha, Irlanda e Dinamarca (1973), da Grécia (1981) e de Portugal e Espanha (1986). Estava formada então a Europa dos Doze.
No início dos anos 80, constatava-se que a Europa parecia estagnada do ponto de vista econômico e vinha perdendo terreno no contexto mundial.
Partindo-se desta constatação, tentou-se buscar as causas daquilo que estava impedindo a construção de um mercado comum. Foi elaborado, então, o chamado Livro Branco, que identificou cerca de 300 barreiras ao livre comércio, e estabeleceu um prazo para que os obstáculos fossem removidos. A data determinada era o último dia de 1992.
Em 1986, o Tratado de Roma foi alterado pela assinatura do Ato Único Europeu, cujo objetivo
era facilitar as decisões que o funcionamento de um mercado único exigia.
A principal inovação trazida pelo Ato Único Europeu foi a mudança nos critérios das decisões. Antes dele, as decisões só eram postas em prática por votação unânime dos representantes dos países-membros.
A partir de então, as decisões começaram a ser tomadas por maioria simples dos votantes. Isso agilizou significativamente as tomadas de decisões.
Entre 9 e II de dezembro de 1991, os chefes de Estado e de governo dos países-membros da CEE se reuniram na cidade holandesa de Maastricht e firmaram um tratado que aprovou uma série de metas com o objetivo de formar o mercado único.
O Tratado de Maastricht foi decisivo no processo de implantação da integração econômica e monetária da Europa dos 12 O Tratado de Maastricht, que substituiu o Tratado de Roma como documento básico da CEE, tinha como alguns de seus pontos principais:
• a implementação de uma moeda comum até 1999;
• a normatização de uma polícia externa comum;
• o estímulo a uma política comum de defesa.
Esse tratado fixou também um calendário ambicioso para a concretização de uma unidade econômica e monetária, além da união política a mais longo prazo.
Um dos passos mais importantes para a União Econômica e Monetária (UEM) foi o de prever a adoção de uma moeda única, o ECU (European Currency Unity), até 1999. O ECU, por enquanto, é apenas uma moeda de referência. De acordo com o plano, deverá substituir as moedas nacionais até a data limite de 1 de janeiro de 1999, embora os países que já estiverem aptos possam adotá-la a partir de 1997.
O ECU é uma espécie de cesta de todas as 12 moedas dos países da CEE, segundo o peso econômico de cada um deles .
No primeiro dia do ano de 1993 foi implantada a primeira parte de um processo muito mais amplo e cheio de dificuldades. Foram abolidas, por enquanto, as restrições à livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais entre os doze países componentes da CEE.
Não foi criada, portanto, uma nova nação – algo como os Estado Unidos da Europa, que seria formada por mais de uma dezena de Estados, com uma única moeda, um só Exército ou uma só língua oficial. Em 1º de janeiro de 1993 foi apenas dado um passo que indica um caminho a ser seguido.
A partir de janeiro de 1993, os países da CEE deram um passo importante no processo de integração econômica que, superadas todas as imensas dificuldades, poderá levar a uma integração política até o final do século.
Na hipótese mais otimista, o processo de integração não se limitará aos doze “sócios” da comunidade. Poderá atingir o conjunto do continente europeu – a Europa unida “do Atlântico aos Urais”, velho sonho do ex-presidente francês, Charles de Gaulle, também defendido por Mikhail Gorbatchov sob a forma de uma “Casa Comum Européia”.
Assim como vários sinais apontam para a desintegração da CEE, outros, ao contrário, mostram uma tendência globalizadora. Em 1º de janeiro de 1993, por exemplo, entrou em vigor um acordo que tem como objetivo integrar mais sete países à CEE até 1999.
Estes países, pertencentes à Associação Européia de Livre Comércio (Aelc ou Efta – European
Free Trade Agreement) são Áustria, Suécia, Finlândia, Islândia, Noruega e Liechtenstein, que formarão o Espaço Econômico Europeu (EEE). A Suíça, mesmo fazendo parte da Aelc, decidiu, em plebiscito em dezembro, não aderir ao EEE.
Existem outros candidatos a novas vagas na CEE, a maioria deles oriundos do ex-bloco socialista. Os mais fortes candidatos são a Hungria, a República Tcheca, a Eslováquia, a Polônia, Chipre, Malta, Turquia e os países bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia).
Na hipótese mais otimista, a Rússia acabará integrando-se ao processo. Seria a consolidação da Europa como espaço jurídico homogêneo.
Disparidades regionais de natureza econômica e social, encontradas em todas as partes do mundo, também marcam a CEE. Constituem, aliás, uma das maiores ameaças à estratégia de integração social, política e econômica da Europa dos Doze até o fim do século.
Essas diferenças regionais não representam um dado novo. O dado mais grave, e aparentemente paradoxal, é que elas tenderão a se acentuar – e não a diminuir – com a entrada em funcionamento do mercado interno e a supressão das fronteiras nacionais. É cada vez maior o abismo que separa os ricos e os pobres no interior de cada país da comunidade. Em 1975, estimava-se que os pobres correspondiam 38 milhões de pessoas. Hoje, eles ultrapassam 50 milhões.
Como explicar este fenômeno?
O aumento da pobreza é resultado,principalmente, da exacerbação da concorrência internacional que levou as empresas a um novo tipo de organização para fazer frente aos novos desafios da economia mundial. Nos esforços para elevar a produtividade, foram introduzidas medidas de automação das linhas de produção, informatização do setor de serviços e corte deficitários.
Uma das conseqüências dessa nova estruturação foi o aumento das demissões, com o conseqüente aumento do desemprego (estima-se que existam hoje na CEE 6 milhões de pessoas desempregadas há muito tempo).
Além disso a modernização tecnológica rejeita aqueles que não se adaptam aos novos tempos. Junta-se a isso o fato de que os sistemas de proteção social se mostram cada vez menos adequados às novas realidades.
A conseqüência final dessa conjunção de fatores leva ao que vem se chamando de “cultura da pobreza”, marcada pelo aumento da delinqüência, da violência, da formação de guetos – são situações e cenários ideais para o florescimento e crescimento da xenofobia e do racismo.
Numa tentativa de corrigir as distorções econômicas e sociais mais graves dentro da CEE, nos últimos cinco anos os países-membros mais ricos investiram cerca de 87 milhões de dólares nas regiões mais pobres – que correspondem à totalidade da Grécia, de Portugal, da Irlanda, da Irlanda do Norte, e de amplas áreas da Espanha e Itália, além da ilha da Córsega. Nessas regiões, o Produto Interno Bruto (PIB) é 75% inferior à média comunitária. Nelas residem cerca de 20% dos mais de 340 milhões de habitantes da CEE.
Mas as desigualdades não são resultado apenas de problemas estruturais da economia dos países mais pobres. Para complicar os problemas sociais são agravados pelo fenômeno da imigração intra e extra comunitária – pobres de dentro e de for a da CEE que buscam nos países ricos formas de melhorar suas miseráveis vidas.
Existem na CEE cerca de 8 milhões de imigrantes oriundos de for a da comunidade. Destes, pelo menos 3 milhões estão em situação ilegal. Apesar de todas as restrições já existentes, chegam quase 500 mil pessoas (imigrantes e refugiados) a cada ano aos países da CEE.
A Europa dos anos 50 estava ligada a uma ideologia liberal e democrata cristã.
É por este motivo que ela não era muito limitada. A esquerda era contra, o mundo protestante anglo-saxão e escandinavo não davam a mínima. O novo rumo da Europa é conseqüência da crise radical de todas essas ideologias. Porque já não se sabe mais o que quer dizer comunismo ou liberalismo. O aspecto apaixonante do que estamos construindo é que vamos inventar, se é que existem, ideologias inteiramente diferentes.
Os rótulos já passaram da data de validade.
(Umberto Eco, Como inventar um continente, Folha de S. Paulo, World Media,
Ano Zero, 20/12/92, pág. 18)
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