sábado, 8 de janeiro de 2011

Diário de Viagem- Loira e Linda Pelas ruas de Moscou

A jornalista e diretora teatral VIVIEN LANDO, que vive atualmente na ex-capital dos sovietes, relata aqui as impressões de seu dia-a-dia e de sua entrevista com o líder nacionalista russo Vladimir Jirinovski para a Revista Veja, em janeiro.
Outro dia, assistindo à TV, tropecei num artista, um músico, que garantiu que a Rússia será o líder espiritual do mundo, logo mais, rapidamente. O termo que ele usou não foi espiritual, mas algo relativo à alma, a bendita alma russa, de que tanto se orgulham os nativos, e que parece andar solta, loira linda pelas ruas de Moscou.
Um exemplo banal, mas incontestável, de que ela está por aí, estampou-se nas manchetes de alguns jornais neste frio final de fevereiro: o alcoolismo está batendo os recordes do século. Não só devido ao aprimoramento das técnicas caseiras capazes de transformar uma garrafa de álcool 90 graus em meia dúzia de vodka, mas também e principalmente porque se pode comprar tudo o que embriague a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer esquina do centro da cidade nos famosos quiosques – símbolo máximo do capitalismo “soviético”. A “lei seca” de Gorbatchov pertence a um pesadelo do passado, e não se fala mais nisso.
Aliás, os quiosques constituem um capítulo à parte nisso que eles chamam de livre mercado. Fadados a desaparecer das ruas de moscovistas por um decreto da Prefeitura em março do ano passado, as barraquinhas que vendem tudo não apenas sobreviveram como se multiplicaram mais que os ratos, que são muitos. Ali, nasceram os principais businessmen, que traduziram comércio por especulação. Os preços variam de acordo com  o humor, as mercadorias “importadas” (a maioria) são quase sempre falsificadas. Não há  defesa do consumidor. Nem do dono, que costuma montar plantão no quiosque em companhia de camaradas para não ser assaltado no meio da madrugada. Por isso, funcionam 24 horas – e não só para contribuir com os conflitos da vida moderna, como poderia imaginar algum incauto.
Esse banditismo desenfreado, que tem sua sede na capital russa, explica-se por razões bem simples: ninguém (os 97% da população que não são novos-ricos) tem dinheiro para viver num lugar onde um medíocre jantar em restaurantes para uma pessoa custa o mesmo que um salário médio. As desproporções entre o que se ganha e o que se deveria gastar para viver com dignidade são inimagináveis.
E ainda há gente que se orgulha quando ouve falar que Moscou ficou mais cara que Jelsinque. Isso sem contar o decreto presidencial em vigor desde 1º de janeiro, segundo o qual todas as lojas, hotéis etc. que antes funcionavam à base de dólar ou outra moeda forte, só podem aceitar rublos. Todo o mundo obedeceu, mas cada um usa o câmbio que bem entende, e salve-se  quem puder. Os beneficiados são as máfias”, grupos dispostos a tudo por um punhado de rublos.
Há a máfia de cigarros, de cambistas, de georgianos, de armênios... Vladimir Jirinovski diz que dá para acabar com elas num piscar de olhos (os dele são muito estranho), mas cá entre nós, ele corre o risco de dizimar metade da população com essas piscadela.
Mas com tudo isso a gente vai se acostumando, a alma russa vai tomando conta da nossa e, ao final de alguns meses, como diz um amigo que mora aqui há 20 anos, os 12 volumes que se pretendia escrever no início não rendem mais do que duas páginas. Anton Tchekov, grande conhecedor da alma russa, dizia que “os russo adoram o passado, desprezam o presente e têm medo do futuro”. Agora, mais do que nunca. E isso não tem nada a ver com o comunismo.
JIRINOVSKI, UM PERIGOSO FANFARRÃO
DEMÉTRIO MAGNOLI
Da Redação
O chanceler russo André Kozyrev diz que Jirinovski não é assunto de política, mas de hospício. Não resta dúvida de que Vladmir Volfovich Jirinovski – russo nascido no Casaquistão, 47 anos, porte médio, robusto, cabelos castanhos claros – é louco. Mas isso significa tão pouco como dizer que Hitler era louco: o Partido Liberal Democrático da Rússia, que ele lidera, recebeu quase 25% dos votos na recente eleição parlamentar, emergindo como a mais poderosa força da oposição. Ou a Rússia é a maior concentração de loucos do planeta, ou esse pirado específico toca uma melodia que brota das profundezas da alma russa.
Na última década do século XIX, duas correntes de pensamento geopolítico – ambas nacionalistas e expansionistas – disputam a primazia na corte do Czar. Uma preconizava aliança com a Alemanha e a divisão da Europa centro-oriental entre duas potências.
Outra, pregava um pacto ant-igermânico e a expansão rumo aos Bálcãs e ao Mediterrâneo oriental, apoiando os sérvios. A vitória desta corrente forjou a aliança franco-russa de 1904 e precipitou os arranjos que desembocaram na 1ª Guerra (1914-18).
Jirinovski combina, de forma incoerente, elementos das duas visões.
Convidado a redesenhar o mapa da Europa, “deu” a Áustria, República Tcheca, a Eslovênia e parte da Polônia para a Alemanha e “reconstituiu” o antigo Império Russo, ampliado pela incorporação da Eslováquia.
Mas, manifestou apoio irrestrito aos sérvios na guerra balcânica, sem esquecer de fazer “ameaças” à Otan e ao Ocidente.
Jirinovski é fanfarrão. Ofereceu aos sérvios o empréstimo de um suposta “arma sônica”, mas letal que as nucleares. A sua  força provém da fraqueza da Rússia. Ele é a voz ensandecida dos que perderam, na crise, as pequenas certezas da vida cotidiana. Para sua sorte – e azar do mundo – eles são muitos.

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