Apesar das advertências e ultimados, os Estados Unidos, as Nações Unidas e a Otan hesitam em adotar qualquer ação militar efetiva contra a Sérvia, considerado por Moscou um aliado político, histórico e cultural
O mundo assistiu no último dia 5 de fevereiro mais um capítulo do interminável conflito na Bósnia. Passava um pouco do meio-dia, quando uma bomba lançada dos arredores de Sarajevo explodiu num mercado montado ao ar livre no centro da cidade. A destruição deixou como saldo 68 mortos e mais de 200 feridos.
Dois dias depois, a União Européia (UE) decidiu que o atentado, que causou indignação em todo o mundo, deveria ser punido mediante até mesmo eventuais ataques aéreos contra os milicianos sérvios, principais suspeitos de sua autoria. O secretário-geral das Nações Unidas, Boutros-Ghali, pediu para que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se preparasse para iniciar ataques aéreos, decisão que contou com o apoio do Presidente Clinton.
Essa não foi a primeira vez que os países ocidentais aventuraram a possibilidade de usar a força contra os sérvios. Em agosto de 1993, sugeriu-se ações contra eles para defender cidades cercadas no leste da Bósnia (v. o mapa, à dir.), mas nada aconteceu. Em janeiro de 1994, a ameaça foi retomada, dessa vez para proteger os “capacetes azuis”, soldados da ONU que prestam ajuda humanitária à população civil.
Logo depois do massacre de Sarajevo, a França propôs (e foi apoiada pela maioria dos países europeus) um ultimato no qual dava o prazo de dez dias para que os sérvios levantassem o cerco sobre a cidade e retirasse suas peças de artilharia. A escolha do termo ultimato reflete o fato de que os europeus ainda não haviam chegado a um consenso quanto à natureza da ação militar a ser empreendida. Os EUA, por sua vez, esperavam por uma decisão final dos europeus para participar de ações conjuntas.
Esse jogo de empurra-empurra entre EUA, UE, Otan e ONU é o reflexo das incertezas do Ocidente quanto aos contornos políticos que a Bósnia teria, caso a paz fosse alcançada. Em janeiro de 1993, os ocidentes apoiavam o plano Vance-Owen que previa a criação de dez regiões autônomas na Bósnia. Esse plano fracassou e, no final do ano já se propunha a divisão do país em três áreas étnicas, fato que não foi aceito pelos muçulmanos que pretendiam um Estado único e pluri-étnico.
Por conta do impasse, os europeus vêm tentando persuadir os muçulmanos a aceitarem a divisão do país, enquanto os EUA acham que não devem pressioná-los a aceitar qualquer acordo. Esses fatos revelam as dúvidas que os países ocidentais têm em relação a esse intricado problema balcânico.
Em 20 de fevereiro, prazo final para o cumprimento do ultimato, os sérvios levantaram o cerco a Sarajevo. Houve alívio geral. Caso a retirada sérvia não fosse feita, as conseqüências poderiam levar o conflito para além da península Balcânica.
As incertezas e vacilações do Ocidente permitiram que a Rússia voltasse a ter uma posição de destaque no cenário político europeu. Ao longo da recente crise, os russos, tradicionais aliados aos sérvios (com os quais se consideram ligados por laços étnicos, religiosos e culturais), opuseram-se firmemente a qualquer tipo de intervenção militar.
Ao colocar-se como mediadora junto aos sérvios, Moscou pôde, exageradamente, se gabar de ter evitado uma guerra global na Europa.
DOUTRINA MONROE” TEMPERADA COM VODKA E CAVIAR
Começam agora a ser percebidos os contornos da política externa da Rússia pós-soviética. Com o desaparecimento da URSS em dezembro de 1992, a Rússia herdou o espólio e os problemas da antiga superpotência. Desde então, Moscou este mais preocupada com seus problemas internos, entre os quais: administrar a crise entre o Parlamento e Ieltsin; amenizar os efeitos negativos das reformas econômicas que visavam adaptar ao mercado uma economia centralizada; conter nacionalismos e separatismos de repúblicas e regiões autônomas no interior do país.
Mas os russos não se descuidaram das regiões que compõem o “exterior próximo”, isto é, as 14 repúblicas que, com a Rússia formavam a RUSS, e que hoje, à exceção dos bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) fazem parte da CEI. Com o desaparecimento da URSS, várias unidades do antigo Exército Vermelho, formado essencialmente por soldados russos, não foram retirados das posições e quartéis que ocupavam em várias repúblicas. As alegações para a permanência das tropas são múltiplas: dificuldades para sua repartimento; necessidade de manter “forças de paz” em áreas de conflitos étnico-nacionais e a “indispensável” proteção dos 25 milhões de russos residentes fora da Rússia que se transformaram em fonte de conflitos com as populações locais. Isso acabou implicando: 1 – a permanência de tropas russas nos países bálticos, indesejadas pela população local e contra a vontade do Ocidente; 2 – a participação das “forças da paz” no conflito entre Armênia e Azerbaijão; 3 – o envolvimento de tropas russas nos conflitos internos da Geórgia e do Tajiquistão; 4 – o apoio político e militar dado às minorias russas na Moldova, frustrando o sonho da população local de se juntar à Romênia; 5 – o “braço de ferro” político com a Ucrânia, não só sobre o destino do arsenal convencional e nuclear dos ucranianos, como também pelo apoio dado à minoria russa que habita a estratégica península da Criméia.
A Rússia montou estratégias para manter a influência sobre áreas que há séculos estiveram sob seu domínio e que a ressaca pós-URSS estava lhe fazendo perder. A Rússia (e exterior próximo) para os russos? Teríamos assim uma nova Doutrina Monroe e la Isltsin ou quem sabe a la Jirinovski.
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