PARCERIA PELA PAZ" CAUSA TEMOR DE NOVA CORTINA DE FERRO
A filiação de países do Leste e Centro da Europa à Otan levaria a uma nova cisão na Europa, a uma nova Cortina de Ferro. A parceria pela Paz é inaceitável. Ela significa levar gradualmente a Otan às fronteiras da Rússia (...). Na falta de um tratamento digno, a reação da Rússia será negativa. A humilhação dos russos criará hostilidade e todos os segmentos do país. Os demagogos esbravejarão sobre o “complô” contra a Rússia.
(Mikhail Gorbatchov, último presidente soviético, O Estado de São Paulo, 14.jan.1994, p. A13)
A Conferência de cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de Bruxelas, em janeiro, aprovou a proposta do presidente americano Bill Clinton de estabelecer cooperação política e militar permanente com os Estados da Europa central e oriental. A parceria pela Paz, como foi chamado o projeto americano, prevê manobras militares conjuntas entre a Otan e as Forças Armadas nacionais dos Estados associados. Todos os países do antigo bloco soviético na Europa, as repúblicas ex-soviéticas européias e a própria Rússia foram convidadas a se associarem à iniciativa.
Quatro anos depois da queda do Muro de Berlim (em 9 de novembro de 1989) e dois anos depois da desagregação da União Soviética (precipitada pelo fracassado golpe de Estado de 19 de agosto de 1991), a cúpula de Bruxelas assinalou a chegada da hora da verdade para a Aliança Atlântica. Erigida no mundo da Guerra Fria e destinada a materializar a estratégia de “contenção” , a Otan precisa justificar a sua existência no novo cenário pela dissolução da “ameaça vermelha”. Pressionada pelas insistentes solicitações de adesão dos países do “bloco de visegrad” – Polônia, Hungria, repúblicas Tcheca e Eslovaca – a aliança ocidental não podia mais adiar uma definição sobre todo o espaço europeu que esteve coberto, no passado, pelo manto imperial soviético.
O “bloco de visegrad” congrega os países da Europa centro-oriental que ocupam a posição de vanguarda nas reformas para introdução de economias de mercado. Situados na periferia imediata da Alemanha unificada, eles formaram uma zona de livre comércio e, em conjunto, apresentaram pedido de ingresso na União Européia (antiga Comunidade Européia). A solicitação de adesão à Aliança Atlântica é uma conseqüência natural da opção geopolítica de integração à Europa Ocidental e reflete a insegurança provocada pelo crescimento das tensões nacionalistas na Rússia. O sucesso eleitoral de Vladimir Jirinovski e dos adeptos da Grande Rússia amplificou os temores na comunidade de Visegrad.
A cúpula de Bruxelas foi procedida por intenso debate estratégico entre os especialistas americanos. A tese derrotada – representada especialmente pelo ex-Secretário de Estado Henry Kissinger – preconizava a imediata incorporação dos países da Europa centro-oriental à Otan e a expansão formal dos limites da Aliança até as fronteiras da CEI (Comunidade de Estados Independentes). Esse era também o sonho dos países de Visegrad, que teriam a plena garantia de defesa na eventualidade de agressão estrangeira. A tese vitoriosa – adotada pela equipe de Bill Clinton – opera na perspectiva da ampliação por etapas da área coberta pela Otan, de modo a apaziguar os russos e evitar o congelamento prematuro de uma nova fronteira geopolítica no continente europeu.
A parceria pela Paz pretende agradar a todos.
Na prática, descontente gregos e troianos. Os países do antigo bloco soviético não se sentem plenamente seguros sem a incorporação formal à Aliança. Os russos se sentem inseguros com a perspectiva de manobras militares nas cercanias das suas fronteiras.
A associação de repúblicas da CEI e do Báltico à Parceria aprofunda a percepção de isolamento russo. Manobrando para confundir o cenário, Moscou anunciou, no início de março, a intenção da adesão russa à Parceria pela Paz. É uma forma de dificultar o passo seguinte da Otan: a incorporação seletiva dos países da Europa central e oriental. Toda a situação gira sobre uma lógica estranha de ampliação do medo e da desconfiança. Na Europa central e oriental, o crescimento do nacionalismo e da xenofobia na Rússia serve como argumento para o fortalecimento dos laços com a Otan. Na Rússia, a aproximação geográfica da sombra da Otan serve de bandeira para os agrupamentos exaltados difundirem sentimentos anti-ocidentais.
A idéia luminosa de uma Europa unida, pluralista e livre dos blocos militares – a Casa Comum Européia defendida por Gorbatchov há alguns anos – ficou para trás. No seu lugar, reaparece grande abismo europeu: o espaço instável e escorregadio que já foi chamado de Leste quando submetido à influência soviética. A Rússia, convulsionada pelo desabamento do Estado soviético, retoma a tradicional política externa baseada na idéia de proteção das faixas de fronteiras exteriores.
O mecanismo da confrontação foi posto em movimento e as suas engrenagens começam a erigir uma nova Cortina de Ferro. O traçado da linha divisória é, por enquanto, incerto e escorregadio, mas parece tender a acompanhar os limites da CEI. De qualquer maneira, o momento da decisão está próximo.
GUERRA FRIA CINDIU A EUROPA EM MEGABLOCOS GEOPOLÍTICOS
A expressão Cortina de Ferro tornou-se célebre com o discurso proferido pelo líder britânico Winston Chuchill em Fulton, nos Estados Unidos, em março de 1946. A Segunda Guerra tinha terminado menos de um ano antes e já se desenhava a confrontação entre as superpotências.
Conclamado a administração americana a conservar o seu engajamento na Europa, Churchill denunciava o aprofundamento do controle soviético sobre os Estados da Europa central e oriental.
O britânico exagerava, propositalmente.
Naqueles meses, a União Soviética ainda se limitava aos compromissos firmados com Washington e Londres na Conferência de Yalta (fevereiro de 1945), que legitimava a preponderância dos partidos comunistas nos governos provisórios do leste europeu.
O plano inclinado que conduzia à Guerra Fria foi percorrido durante o ano de 1946. A provocação de Churchill insere-se na Seqüência de crises que desagrou na divisão da Europa em blocos geopolíticos antagônicos, junto com as disputas pela formação de um governo de unidade na Polônia e as tensões nascidas das reformas de flagradas unilateralmente pelos soviéticos no leste alemão ocupado.
O marco inicial da Guerra Fria foi o compromisso dos Estados Unidos com a sustentação dos regimes anti-soviéticos na Europa: a Doutrina Truman, de março de 1947.
Ela consistia em uma resposta positiva à conclamação de Churchill – Washington assumia a liderança do “Ocidente” ameaçado pelo expansionismo soviético.
A Europa foi o cenário crucial da confrontação. O lado ocidental reconstruiu economias de mercado sob o influxo dos bilhões de dólares do Plano Marshall (1948-52). O lado oriental foi congelado pelo monopólio político dos partidos comunistas e as economias nacionais foram submetidas ao controle estatal e à planificação central, todos subordinados a Moscou.
A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi criada em 1949, quando se consumou a bipartição da Alemanha. Pelo tratado que criou a organização, os Estados Unidos garantiam engajamento militar automático em caso de agressão soviética a qualquer país da Aliança.
O Pacto de Varsóvia foi criado em 1955, como resposta ao rearmamento da RFA (Alemanha Ocidental). Liderado pela União Soviética, ele reunia as forças armadas da Polônia, Tchecoslováquia, RDA (Alemanha Ocidental), Hungria, romêni8a e Bulgária. A Iugoslávia e a Albânia – com regimes comunistas que não aceitavam a liderança de Moscou – estavam fora da aliança político-militar. Por duas vezes – na Hungria, em 1956, e na tchecoslováquia, em 1968 – as tropas do Pacto foram o instrumento da derrubada de regimes comunistas reformistas.
A Cortina de Ferro da Guerra Fria demarcava a fronteira geopolítica do bloco soviético. Passava no interior do território alemão, separando a RFA da RDA. O Muro de Berlim, erguido em 1961 para impedir a fuga dos alemães do leste, simbolizou a divisão do continente. Era como se ele fosse um pedaço da fronteira imaginária construído com cimento, tijolos e arame farpado.
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