sábado, 1 de janeiro de 2011

Ex-URSS Deixa Legado de Crise

EX-URSS DEIXA LEGADO DE CRISE
Desagração   ameaça a CEI ao final do primeiro ano de sua formação
Nunca pensei que fosse ver Moscou tão iluminada como naquela gelada noite outonal de 26 de novembro de 1992. Durante os quase três anos em que vivi na capital russa (1988-90), como correspondente da Folha de S. Paulo, habituei-me à melancólica escuridão de suas ruas, jamais perturbada por luminosos e comércio, típicos do “capitalismo”. Agora, as luzes e outdoors são as mais óbvias evidências das transformações que causaram o fim da União Soviética. O caos político, a hiperinflação e a explosão social latente compõem a outra face, nada brilhante, do drama na Rússia pós-comunista.
“IELTSIN É STALIN ÀS AVESSAS”, DIZ GORBATCHOV
Era a primeira vez em dois anos que eu voltava a Moscou. No dia seguinte, entrevistaria o ex-presidente Mikhail Gorbatchov, que se preparava para visitar a América Latina. A entrevista, publicada na Folha em 28 de novembro, aconteceu na Fundação Gorbatchov, centro de Moscou. Sorridente e aparentando sua habitual firmeza de propósito, o arquiteto da perestroika atribuiu ao presidente russo, Boris Ieltsin, a maior cota de responsabilidade pela crise. “Ieltsin que decretar o capitalismo, com a privatização acelerada da economia, como Stalin quis decretar o socialismo, estatizando terras e propriedades nos anos 30.
Ieltsin é um Stalin às avessas.”
O salário mensal médio de um moscovita qualificado (médico, engenheiro, técnico) era, à época, equivalente a 18 dólares, suficientes para comprar 8 quilos de tomate. É evidente que, nestas condições, todos são obrigados a recorrer ao mercado negro e à economia informal (o “quebra-galho” com que os brasileiros estão habituados). As indústrias, todas estatais, estão sendo privatizadas de forma selvagem: as “máfias” e poderosos grupos organizados acabam comprando a maioria das ações das empresas.
O monopólio estatal está apenas sendo substituído pelo poder de grupos econômicos.
Na rua, as pessoas falam com ironia e irritação da nova situação, em que têm total liberdade política, mas tudo é cada vez mais caro. Após décadas de economia totalmente subsidiada e preços congelados, o estouro da hiperinflação (de pelo menos 2.000% em 1992) e desemprego aparecem como monstros para a população russa. Pouca coisa herdada do comunismo permanece, de fato, inalterada após as reformas que liquidaram a URSS.
Uma delas, ironicamente, é o Mausoléu de Lênin, fundador do Estado soviético, solidamente instalado no centro da Praça Vermelha. O passeio descuidado de turistas e prostitutas bem ali, diante do mausoléu, daquela testemunha silenciosa de um passado que acaba de se esgotar, cria uma espécie de tênue melancolia.
O tremular da bandeira nacional russa na torre do Kremlin, o frio da noite e as torres retorcidas da catedral de Basílio, o Venturoso, construídas no século 16 por Ivan, o mais terrível de todos os czares, emolduram o mausoléu e tornam qualquer reflexão sobre o futuro ainda mais incerta, quase que como se tudo fosse uma miragem do tempo. “Ieltsin é um Stalin às avessas”. E a Rússia ainda pagará novo tributo à História.

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