Se um Exército luta “em nome de Deus”, a decorrência é que seus inimigos são “inimigos de Deus”, legiões do demônio cuja liquidação fornece a chave redentora (...) Mas a exclusão radical do “outro” sob a forma da condenação mitológica não é propriedade do Islã, e sim de todas as ideologias ou credos que dão origem a partidos, grupos e seitas. A peculiaridade do Islã –pedra angular e eixo de seu edifício- é o fato de que o Estado identifica-se com a religião ou, na metáfora cristã, César e Deus são um (...) Os fanáticos do Islã –estejam no deserto iraniano ou no metrô de Nova York- são uma expressão contemporânea da mesma intolerância que a Igreja Católica erigiu em método com a Santa Inquisição.
(José Arbex Jr., Folha de S. Paulo, 02 de novembro de 1990, caderno especial Islã, pág.1)
Fundamentalismo: vê nos fundamentos da religião a base para a tomada de decisões na vida cotidiana e política. O termo integrismo é muitas vezes utilizado como sinônimo.
Xiísmo: um dos ramos da religião
islâmica. Crê em Maomé e segue o Corão.
Possui guias espirituais (ímãs) que têm a função de interpretar as palavras divinas.
Não separa Igreja e Estado. É a maioria da população em poucos países.
Sunismo: outra vertente do Islã. Crê em Maomé e segue o Corão, e que a relação entre Deus e o fiel deve ser feita sem intermediários. Admite certa separação.
ORIENTE MÉDIO E ÁSIA CENTRAL
Em 1979, uma revolução derrubava a monarquia do Irã e implantava em seu lugar uma república islâmica.
Desde então, o Irã, o Oriente Médio e o mundo mulçumano nunca mais foram os mesmos. O Irã é o que tem a maior população xiita entre os países islâmicos. Na era do aiatolá Khomeini, líder de 1979, seus líderes atacavam os “satânicos EUA”, a “demoníaca URSS”, Israel, o Ocidente em geral e todos os países mulçumanos não regidos pelo Corão. No começo de 1989, Khomeini chegou a oferecer US$ 1 milhão de recompensa pela morte do escritor Salman Rushdie, autor de Versos Satânicos, obra considerada blasfema. O radicalismo isolou o Irã. Não foi surpresa, portanto, que durante a guerra Irã-Iraque, Bagdá tenha recebido apoio das mais variadas origens.
Contudo, a revolução iraniana lançou sementes que floresceram junto a muitas populações do mundo islâmico. O fundamentalismo pregado pelos iranianos passou a seduzir também os sunitas, historicamente mais moderados. Um dos exemplos dessa influência é a milícia xiita libanesa Hesbollah, que participou ativamente da guerra civil do Líbano e que deu origem a vários pequenos grupos igualmente radicais. Outro exemplo é o Hamas, que aposta na radicalização da Intifada (revolta das pedras, em árabe), movimento que começou espontaneamente, em dezembro de 1987, pelos palestinos que se opõe à ocupação, por Israel, dos territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza. Mas a morte de Khomeini, em junho de 1989, permitiu que o novo governo assumisse uma política mais “pragmática” –o país pagava um preço muito alto por seu isolamento. Durante a Guerra do Golfo (1991), o Irã criticou tanto a invasão iraquiana do Kuait como a interferência das forças da coalizão anti-Iraque. A derrota iraquiana transformou o Irã na mais forte potência do Golfo, só equiparável à feudal monarquia saudita, sustentada pelos EUA.
O Irã alçou-se à condição de potência geopolítica, com capacidade de interferir não apenas no Golfo, mas também nos processos em curso nas repúblicas islâmicas da antiga União Soviética. Teerã (capital iraniana) ora apresenta planos de cooperação econômica, ora atua como mediador nos conflitos que ali ocorrem. Nessa ofensiva econômico-diplomática, o único país islâmico a disputar áreas de influência com o Irã é a Turquia, que forma, com o Egito e a Arábia Saudita o tripé islâmico de sustentação dos EUA no Oriente Médio. Em qualquer hipótese, não haverá solução para os intrincados problemas geopolíticos dessa região sem o aval de Teerã.
NORTE DA ÁFRICA E MAGBRED
Em 22 de abril, sete fundamentalistas egípcios foram condenados à morte, acusados de atacar ônibus de turistas.
Doze anos antes, fundamentalistas do grupo Irmandade Mulçumana haviam assassinado o presidente Anuar al Sadat.
Na Tunísia, desde 1987 estão ocorrendo atentados de fundamentalistas do Movimento da Renascença (Ennahda). Vários de seus membros foram condenados e executados. Na Argélia, a fundamentalista Frente Islâmica de Salvação (FIS) reivindica que o país seja regido pelas leis do Corão.
No norte da África e Magreb (região formada por Marrocos, Argélia e Tunísia), apenas Líbia e Marrocos parecem menos vulneráveis ao crescimento do fundamentalismo.
No Egito, as décadas de 50 e 60 foram marcadas pelo nasserismo, doutrina desenvolvida por Gamal Abdel Nasser. Seu governo (1954-70) foi marcado por um forte nacionalismo. No plano externo, Nasser, um dos líderes do bloco de países não alinhados, encarnou mais do que ninguém a causa do pan-arabismo (união dos povos árabes). Seus sucessores não deram continuidade aos projetos nem resolveram a grave crise que há muito aflige o país.
A Argélia tornou-se independente em 1962, após uma sangrenta guerra com a França. O poder foi assumido pela Frente de Libertação Nacional (FLN), marcadamente anti-imperialista e simpática à URSS. A situação do país começou a se complicar no final dos anos 80, quando, também como reflexo da crise na URSS –seu principal parceiro político e militar-, a FLN, o único partido legal, não conseguia conter a insatisfação da população. A FIS torno-use cada vez mais ousada, desafiando abertamente a FLN, que mantém o país sob leis de exceção.
O fundamentalismo cresce como resposta à incapacidade de modelos estranhos ao Islã promoverem o fim da miséria. Líbia e Marrocos, as exceções, são ferozes ditaduras em que a oposição ainda teve chance de se expressar.
SUBCONTINENTE INDIANO
Em dezembro de 1992, fanáticos hindus invadiram a cidade de Ayodhya, no norte da Índia e, demoliram uma mesquita mulçumana. Desde então explodiram conflitos entre fanáticos e forças policiais, que causaram mais de 2000 mortes. Em março, uma série de atentados à bomba em Bombaim, o centro financeiro do país, causaram 200 mortes e mais de 1000 feridos. Embora nenhum grupo tenha assumido a autoria dos atentados, políticos hindus sugeriram que eles teriam sido executados por mulçumanos “monitorados do exterior” (entenda-se o Paquistão). Dos 850 milhões de habitantes da Índia, cerca de 83% são hinduístas, enquanto os mulçumanos chegam a 100 milhões.
Os fatos descritos acima fizeram crescer os temores de um novo confronto militar entre Índia e Paquistão, onde a imensa maioria da população é mulçumana. A rivalidade entre os dois países é antiga e remonta à época de suas independências, em 1947. Desde esta data, os dois países se envolveram em três conflitos (1948,65 e71). Nos dois primeiros disputava-se a região da Cashemira ,em 71, o conflito resultou na separação do antigo Paquistão Oriental, que deu origem a um novo país, Bangladesh.
A rivalidade entre hindus e mulçumanos é só um aspecto dos surtos de violência étnica e religiosa que, periodicamente, explodem na Índia. Em 1984, a primeira-ministra Indira Ghandi foi morta por dois de seus guardas que eram de origem sikh. Os sikhs correspondem a apenas 2% da população da Índia, mas perfazem mais de 90% da população da região de Punjab, no noroeste do país.
Desde há muito eles lutam para a criação de um país próprio, o Calistão. A violenta repressão do governo hindu contra os anseios de liberdade dos sikhs teriam sido a causa do assassinato de Indira.
Nos últimos 5 anos, uma nova força política surgiu na Índia. O Partido Bharatiya Janata (BJP), radical em seu “fundamentalismo” hinduísta, vem crescendo de forma espetacular a cada nova eleição. Ele surgiu para se contrapor ao Partido do Congresso, no poder desde a independência e, que defende a neutralidade do Estado perante às religiões professadas na Índia. O crescimento do BJP foi também uma espécie de resposta ao aumento do fervor islâmico nos países vizinhos.
O BJP esteve à frente dos fanáticos de Ayodhya e, se seu discurso radical continuar arregimentando mais adeptos, o sub-continente indiano poderá se transformar num dos maiores campos de batalha entre o secularismo e o fundamentalismo. Quadro nada tranqüilo para um país com arsenal nuclear
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