quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

OH! CAMILLA!

As trapalhadas, histórias e escândalos que envolvem integrantes da família real inglesa fazem a delícia da imprensa britânica e, em menor escala, da mundial. Quem não se recorda das grandes manchetes sobre a vida e a morte de Lady Di, por exemplo?
O escândalo do momento refere-se ao anunciado casamento do príncipe Charles, herdeiro do trono, ex-marido de Lady Di e namorado de Camilla Parker-Bowles. A perspectiva do matrimônio divide a Igreja Anglicana e a opinião pública, pois Charles e Camilla mantinham relações sexuais antes do fim dos respectivos casamentos. O príncipe divorciou-se em 1997, dois anos depois da amante.
Mas o fascínio exercido pela família real não é recente. A origem mítica da Inglaterra é atribuída aos feitos do rei Arthur e de sua corte, reunida em torno da famosa mesa redonda. Arthur, o portador de Excalibur, protegido e inspirado por Deus e pelo mago Merlin, teria sido o responsável pela unificação definitiva de uma multiplicidade de pequenos reinos espalhados pela Bretanha, logo após a queda do Império Romano (século V, início da Idade Média), consolidando a vitória sobre os inimigos saxões e irlandeses.
Muitos séculos depois, já no Renascimento, o maior dramaturgo de todos os tempos, William Shakespeare (1564-1616), inspirou-se na corte para escrever suas célebres tragédias. “Macbeth” explora as conseqüências da ambição desmedida do ocupante do trono; “Rei Lear” conta a história do rei bom, porém insensato, que, ao dividir o poder entre três filhas, gerou uma guerra civil; “Hamlet” é o príncipe paralisado por um desejo de vingança que conduz o próprio reino à destruição; “Júlio César” explora o tênue fio que separa a grandeza da mesquinhez; “A Tempestade” conta a saga do nobre Próspero, sábio o suficiente para desprezar o poder.
Várias outras peças do bardo de Stratford tratam diretamente da história da Inglaterra: a trilogia sobre Henrique VI, as peças “Ricardo I”, “Ricardo II” e “Ricardo III”, “Rei João”, as duas partes sobre Henrique IV e, finalmente, “Henrique VIII”. Mesmo alguns de seus trabalhos mais líricos, como “Romeu e Julieta”, abordam as relações entre indivíduos face ao poder de Estado e o simbolismo mobilizado por laços de sangue.
As peças de Shakespeare refletem o momento crucial, repleto de dúvidas e ansiedades, da transformação do Reino Unido – cuja formação foi iniciada com a Batalha de Hastings, em setembro de 1066, e a subseqüente submissão, três anos depois, do reino da Escócia – em Estado moderno, dotado de um aparato militar, jurídico e burocrático centralizado, cuja estabilidade dependia, substancialmente, da figura do rei.
O período foi marcado, sobretudo, por Ricardo III, derrotado em 1485 por Henrique VII, que iniciou a era dos Tudor. Seu sucessor, Henrique VIII, rompeu com a Sé romana e criou a Igreja Anglicana, usando como pretexto o desejo de se divorciar de Catarina de Aragão e casar-se com Ana Bolena, atitude proibida pelo papa. Durante as quatro décadas de seu reinado, Henrique VIII remodelou completamente a máquina do Estado, atribuiu maior importância ao Parlamento, incorporou o reino de Gales ao sistema administrativo britânico, estabeleceu o reinado da Irlanda.
Com intuição extraordinária, Shakespeare percebeu aquilo que hoje são favas contadas: a história da formação e consolidação do Reino Unido como Estado moderno é indissociável da história da família real. Mesmo no período mais recente, quando a própria existência do reino foi seriamente ameaçada pelo ataque nazista, coube principalmente à rainha Elizabeth (1900- 2002), mãe de Elizabeth II, manter elevado o moral da resistência britânica.
Ao contrário de outras famílias reais, ela se recusou a abandonar o seu país. Eis sua resposta a uma indagação sobre se retiraria de Londres as duas filhas pequenas durante os bombardeios aéreos alemães:
“As meninas não partirão a não ser que eu parta. Eu não partirei a não ser que o rei o faça. E, de qualquer modo, o rei não partirá sob nenhuma circunstância.”
Na monarquia, os assuntos do reino confundem-se com as atitudes e opções individuais dos principais integrantes da família real. O público e o privado jamais se separam plenamente – exatamente por isso não é fácil criticar o assédio e os mexericos da mídia. Fica, então, a pergunta:
o que você acha, Charles tem ou não o direito de se casar com Camilla?

Boletim Mundo n° 2 Ano 13

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