quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

DEPOIS DE FAHD, O DILÚVIO?

A monarquia saudita regula os preços do petróleo no mercado mundial e protege os pequenos Estados do Golfo Pérsico.
Na hora da morte do monarca, o reino vive sob o espectro da guerra civil.

Fahd ibn Abdel Aziz al-Saud, rei da Arábia Saudita, morreu no primeiro dia de agosto, com idade provável de 83 anos. No reino dos Saud, uma monarquia absoluta, não há uma ordem de sucessão claramente definida. Ao ascender ao trono, o monarca nomeia um sucessor, que passa a ocupar o cargo de príncipe herdeiro da coroa. Caso o rei fique incapacitado, o príncipe herdeiro desempenha a função de regente, até a morte do monarca. Com o desaparecimento de Fahd, o trono passou ao novo rei Abdullah, quase tão idoso quanto ele, que já governava o reino desde o ataque que o incapacitou, em 1995.
Fahd era o mais velho dos sete filhos de Abdel Aziz bin Saud, o fundador do reino, com sua esposa favorita.
Ele tornou-se rei em 1982, depois de desempenhar o papel de regente de seu meio-irmão incapacitado, o rei Khaled.
Abdullah, também é meio-irmão de Khaled e Fahd, e portanto integra a segunda geração dos reis sauditas. A Arábia Saudita tem apenas pouco mais de um século: nasceu em 1902, quando as forças de Abdel Aziz tomaram Riad de um clã guerreiro rival, encerrando uma longa jihad (“guerra santa”). No reinado de Fahd, em 1991, o reino aceitou a presença das forças americanas que se preparavam para combater o Iraque de Saddam Hussein, na primeira Guerra do Golfo. Essa decisão provocou a cisão entre a dinastia e os jihadistas de Osama bin Laden. De lá para cá, a crise na monarquia evoluiu para uma guerra civil subterrânea que ameaça destruir a Casa de Saud.
A Arábia Saudita é jovem, mas sua elite dirigente é antiga. O clã dos Saud, da Arábia central, estabeleceu, em meados do século XVIII, uma aliança com a seita islâmica puritana Wahabi. A seita foi fundada por um pensador da cidade de Najd, Muhammad bin Abd al-Wahab (circa 1703-1792), cuja filha casou-se com o filho de Muhammad bin Saud em 1744. Os Wahabi imaginam-se como os únicos verdadeiros muçulmanos e aderem a uma interpretação dogmática, inflexível e literal do Corão. Das suas hostes saíram os ikwan (“irmãos”), combatentes fanáticos que formavam a linha de frente das forças jihadistas dos Saud.
A bandeira saudita traz em branco,sobre o fundo verde, um sabre árabe horizontal encimado pela inscrição “Não há outro deus senão Alá e Maomé é seu profeta”. É o símbolo da aliança entre os guerreiros da espada (o clã Saud) e os guerreiros da fé (a seita Wahabi). No Estado saudita, aos religiosos foi entregue o monopólio sobre a educação e as comunicações, além da missão de administrar os principais lugares santos do Islã, em Meca e Medina, supervisionando a gigantesca peregrinação anual à Grande Mesquita.
Nos anos 60, o Egito de Gamal Abdel Nasser deflagrou a revolução pan-arabista, que ameaçava as monarquias conservadoras árabes. A Arábia Saudita deu refúgio aos líderes egípcios da Irmandade Muçulmana perseguidos por Nasser, que pregavam o governo baseado no Corão. A fusão entre o pensamento desses líderes e o poder dos Wahabi sauditas originou o fundamentalismo islâmico contemporâneo. A Arábia Saudita reagiu ao desafio do Egito, que queria a unidade dos povos árabes, erguendo a bandeira da unidade do Islã. Mais tarde, nos anos 80, do reino saudita partiram os “soldados da fé” que lutariam no Afeganistão, contra a ocupação da União Soviética, armados e treinados por agentes dos Estados Unidos. O jovem Osama Bin Laden, filho de rica família não-real saudita, fez seu batismo de fogo nessa jihad anti-soviética.
A aliança entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita decorre do lugar especial que o reino ocupa na geopolítica global da energia. Sob o território da Casa de Saud estão 25% das reservas mundiais de petróleo. O Ministério do Petróleo saudita manipula as chaves que controlam os preços do barril de petróleo, articulando suas ações com os interesses da Casa Branca. Washington apoiou a monarquia saudita no embate político com o Egito e estimulou a formação do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), uma organização de segurança que confere à Arábia Saudita a função de protetora dos pequenos reinos e emirados petrolíferos do Golfo Pérsico. Mas, quando George H. Bush, o “Bush pai”, instalou suas forças no reino dos Saud, os Estados Unidos estavam, inadvertidamente, ateando fogo à gasolina.
A família real saudita é composta por cerca de 25 mil pessoas, entre as quais algo como 7 mil príncipes.
Desde o matrimônio pioneiro de 1744, centenas de casamentos uniram os Saud aos Wahab. A guerra declarada por Osama bin Laden contra a dinastia tem forte ressonância na massa da população saudita, mas repercute também no núcleo da elite do reino, onde tramas e conspirações palacianas ocupam o vasto tempo ocioso da “corte petrolífera”. Nos últimos anos, a bonança dos altos preços do petróleo permitiu à dinastia limitar os efeitos políticos da convocação à jihad do chefe do terror. Mas os tempos de vacas gordas não durarão indefinidamente.
O rei Abdullah já nomeu o seu meio-irmão príncipe Sultan, que tem cerca de 80 anos e exerce há décadas a função de ministro da Defesa, como príncipe herdeiro. Obviamente, a geração dos filhos de Abdel Aziz não governará por muitos anos. Depois deles, seria a vez dos príncipes mais novos e, talvez, de lutas intestinas pela sucessão. Antes, porém, a Arábia Saudita deve enfrentar os dilemas da reforma democrática e da revolução jihadista.
Boletim Mundo n° 5 Ano 13

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