quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ENTRE A “LIGA DA PAZ” E OS “POLICIAIS DO MUNDO”

O Moderno sistema internacional de Estados emanou do encerramento da Guerra dos Trinta Anos (1618-48), praticamente junto com a publicação da obra clássica de Thomas Hobbes. No Leviatã, o filósofo escreveu que: “(...) em todos os tempos os reis, e as pessoas dotadas de autoridade soberana, por causa de sua independência, vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos, e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra”.
Essa passagem é o fundamento da teoria das relações internacionais. Nas sociedades nacionais, a “guerra de todos contra todos” só não existe pois o poder de Estado se impõe diante da vontade dos indivíduos. Mas, no sistema de Estados, nada limita a soberania dos Estados: a ausência de um poder geral, de um “governo mundial”, gera uma situação de anarquia permanente. Cada Estado dispõe apenas da força para garantir a sua segurança e a sua liberdade. Por isso, os Estados “vivem... na situação e atitude dos gladiadores” e a guerra, quando não está em marcha, está sempre sendo preparada.
Um século e meio depois de Hobbes, e muitas guerras mais tarde, o filósofo Immanuel Kant imaginou uma solução: a constituição de uma “liga da paz” que suprimiria, para sempre, o espectro da guerra. A proposta de Kant seria facilitada pela adoção do regime republicano, “que por sua natureza deve se inclinar na direção da paz perpétua”, e pela gradual reunião das repúblicas nessa liga, que asseguraria a “liberdade sob a idéia de uma lei das nações”.
Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), retomou o fio kantiano e tentou conferir-lhe existência prática, levantando a bandeira de uma Liga das Nações. Na Conferência de Paris,em 1919, que negociou os tratados de paz após a guerra mais mortífera até então trava da, Wilson impôs a sua liga aos recalcitrantes Estados europeus. Mas o Senado americano não aceitou a idéia de uma organização mundial que pudesse limitar a soberania dos Estados Unidos e derrotou a proposta do presidente. Ironicamente, a Liga das Nações surgiu sem a participação americana – e logo se transformou num diretório das potências européias.
No entre-guerras, enquanto a Liga das Nações revelava-se cada vez mais impotente, chegaram a ser assinados tratados que colocavam a guerra fora da lei. Evidentemente, a Alemanha de Hitler não se preocupou com tratados ou com a lei quando, por meio de sucessivas agressões, conduziu os Estados à Segunda Guerra Mundial (1939-45). A nova guerra, muito mais mortífera ainda que a anterior, foi o berço de mais uma “liga da paz”: a ONU nasceu em abril de 1945, pouco antes da rendição alemã, na Conferência de São Francisco.
O presidente americano Franklin D. Roosevelt foi o idealizador da ONU. Mas, desde 1943, ele enxergava a futura organização não como uma “liga da paz”, fraca e impotente, mas como um instrumento das grandes potências para conservar a paz pela força. Roosevelt alcunhou o que viria a ser o Conselho de Segurança como os “Quatro Policiais” (na época, ele não pensava na participação da China). E as Nações Unidas surgiram assim, como um retrato da distribuição de poder geopolítico criada pela guerra mundial.
A ONU sobreviveu à Guerra Fria, escondendo-se a cada grande crise atrás do direito de veto das superpotências. Hoje, seu Conselho de Segurança, sem a presença do Japão, da Alemanha e de grandes países em desenvolvimento, parece um anacronismo e discutem-se propostas conflitantes de reforma da organização . Mas não é nada fácil produzir um consenso para uma “refundação” das Nações Unidas: a experiência histórica ensina que as “ligas da paz” só surgem no momento do encerramento de grandes guerras gerais.

Boletim Mundo n° 5 Ano 13

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