quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

LULA SERÁ RECICLADO COMO SÓCIO DO CONDOMÍNIO PATRIMONIALISTA

Paulo Eduardo Arantes, filósofo, professor aposentado do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP, não exala otimismo. Intelectual marxista, foi simpatizante do PT. Em 2001, seu ensaio “Apagão”, publicado no caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo, criticava a adesão de intelectuais brasileiros ao governo FHC. Ano passado, saiu seu livro Zero à esquerda (Conrad), uma coletânea de artigos de crítica política que assinala uma ruptura definitiva com o governo Lula e com o PT. Na entrevista concedida a Mundo, Paulo Arantes analisa a decepção gerada pelo governo Lula e o colapso do PT.
 O governo Lula acabou?
Paulo Arantes – Irá vegetar como o segundo mandato de FHC. Só que este último pôde se dar ao luxo de inexistir depois de entregar o que lhe fora encomendado: as grandes privatizações, a união simbiótica com o big business, o grande capital etc. Embora o pacote viesse de fora e, a rigor, o governo FHC fosse um ramo periférico da administração Bill Clinton, nos Estados Unidos, não se pode dizer que aquele conjunto de ajustes passivos não expressasse um projeto coerente de poder capitalista. E o tucanato era uma manifestação orgânica do ambiente de negócios nacional, tanto os normais quanto os irregulares, hoje praticamente indiscerníveis. Não foi o caso do governo Lula. Por maior que fosse a desfiguração galopante que há tempo acometia o seu partido, não se pode dizer que o neoliberalismo lhe fosse congênito, daí a sensação de deslavado oportunismo que cercou sua abrupta conversão à ortodoxia econômica. O establishment saudou a sabedoria realista da atitude, mas nunca se enganou quanto à fragilidade revelada por tamanha capitulação, e que uso fazer dela, tanto na alta da popularidade presidencial, quanto agora na baixa. Sem projeto próprio, salvo o de ingressar no condomínio patrimonialista brasileiro, Lula não será expulso, apesar de todo o foguetório, apenas reciclado como sócio menor.
Quais serão, em sua opinião, os efeitos da descrença de milhões de brasileiros diante do governo Lula?
Paulo Arantes – Algo como o agravamento do cinismo de massa no país. Que obviamente não é de hoje, nem é exclusividade dos protagonistas da avalanche de agora. Para não remontar à noite dos tempos, pode-se dizer que o novo ciclo de corrosão do caráter nacional tenha sido inaugurado pela crapulização dos ricos e famosos durante o efêmero reinado Collor; à qual se acrescentou o glamour da era tucana, conferindo brilho intelectual e verniz sociológico à adaptação predadora à nova ordem econômica. O estrago conclusivo, cujo desfecho estamos testemunhando, começou um pouco antes, mais precisamente na campanha presidencial: o voto que elegeu Lula foi majoritariamente despolitizado, baseado no logro de uma identificação extorquida pelo marketing com um caso único de ascensão social. A frustração de uma expec tativa conservadora aliada a uma sensação generalizada de impotência e humilhação de classe – pois desta vez foi um dos nossos a nos cobrir de vergonha – são ingredientes explosivos quando se pensa no sentimento cínico do mundo inerente à lógica da desintegração em curso no país desde a implosão do ciclo desenvolvimentista.
 O PT acabou?
Paulo Arantes – Como legenda e máquina de poder local, não. Como partido com expectativa de voltar a ocupar um lugar na esquerda, sim. Curto-circuito tanto mais dramático porquanto se sabe que no fundo o programa do PT sempre foi a sua própria existência.
O sr. acredita que a degeneração começou com a aliança que dá sustentação a Lula ou as raízes são anteriores?
Paulo Arantes – Só “degenerados” compram alianças com partidos de segunda linha. Faltou-lhes o latim que não tinha para vender o negócio como “utopia do possível”.
 O sr. acredita que o PT rendeu-se às piores tradições da história política brasileira ou, ao organizar um grande esquema de financiamento da base de apoio a Lula, ele escreveu um novo capítulo dessa história?
Paulo Arantes – Acho que inovou mais do que herdou.
Incorporou algo novo à tradição e não me surpreenderia se o tucanato lhe fizesse justiça, aperfeiçoando a engenharia financeira na próxima rodada. O petismo-lulista estava aperfeiçoando um método de fluxo de caixa permanente irrigando a classe política no seu conjunto, consagrando a autonomia definitiva dos empreendedores políticos.
Mesmo antes de ser desvendado o escândalo de corrupção atual, estava claro que o PT tinha se transformado num “partido da ordem”. Alguns comparam essa trajetória à dos partidos socialistas europeus, que ao longo do século XX tornaram-se pilares de sustentação dos Estados e da economia de mercado. A comparação é válida?
Paulo Arantes – Toda vez que um partido não-revolucionário se torna uma real alternativa de poder é porque já se converteu num partido da ordem. Ocorre que ordem, no Brasil, não é sinônimo de progresso mas algo muito próximo de uma peculiar desordem, que transparece na desindustrialização em curso – hoje somos uma economia exportadora de commodities. O drama do PT é que, depois do seu triunfo, não se tornou pilar de coisa nenhuma, nem do Estado nem da economia de mercado. Simplesmente ruiu por entropia, como a extinta União Soviética, o que já começa a valer como uma regra de exercício findo das esquerdas históricas.

Boletim Mundo n° 5 Ano 13

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