quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

“PT E PSDB SÃO TÃO SEMELHANTES QUE ESTÃO SE MATANDO”

O PT representou o principal fenômeno da cena política brasileira no último quarto de século e concentrou atenções do mundo inteiro pois parecia ser portador de um projeto de “refundação” da esquerda, no período da desintegração da União Soviética e dos partidos comunistas. A crise profunda, talvez terminal, que o PT atravessa tem impacto internacional. Leia a seguir as opiniões do filósofo Paulo Arantes, na conclusão da entrevista concedida.

 O sociólogo Francisco de Oliveira sugere que a chegada de Lula ao poder originou uma nova elite política, constituída pelos dirigentes e quadros do PT que, capturando o aparelho de Estado, passam a figurar como componente da tradicional “classe política” brasileira.
Como o sr. interpreta essa análise?
Paulo Arantes – Francisco de Oliveira só não previu o amadorismo dos operadores da nova classe. No mais, creio que continua acertando. E tanto que teve a honra de ser plagiado por um grão-tucano celebrando o naufrágio petista nos termos pioneiros de nosso sociólogo: o novo patrimonialismo de corte sindical exprimiria as condições de reprodução de uma classe arrendatária do Estado que, por intermédio dos grandes fundos públicos, funcionaria como uma espécie de burguesia do capital alheio. Faltou acrescentar que isto vinha de antes: quem não se lembra da manipulação dos fundos de pensão na privatização das teles em 1998?
Lula tem um futuro, como liderança política, após a desmoralização histórica do PT?
Paulo Arantes – Salvo um populismo raso, ancorado no marketing de uma biografia que já é passado, nenhum.
Como o consumidor eleitoral, embora volúvel por definição, costuma se apegar a marcas, pode ser que esta alternativa seja considerada um futuro.
Aliás, populismo hoje, para vingar, precisa de petróleo, forças armadas e anti-imperialismo que não seja de brincadeirinha. Como vivemos num mundo sem soluções à vista, é bom lembrar que petróleo é uma renda maligna, forças armadas costumam mudar de lado e o imperialismo de verdade está de volta.
O PT representou um canal de expressão importante para movimentos sociais organizados. Com a globalização esvaziando os sindicatos e outras entidades, o sr. acredita que esses movimentos continuam existindo de forma independente?
Paulo Arantes – Com ou sem globalização, a independência dos movimentos sociais sempre foi muito relativa. Com ou sem PT, continuarão batendo à porta do Estado, com maior ou menor força, dependendo do poder de dano dos  sem-poder. Quando o real poder de veto da antiga classe operária se derrete ao sol do novo capitalismo, se alastra pelo conjunto da população despossuída um sentimento de impotência que ainda não encontrou tradução política. Mas seria útil distinguir sociedade civil de movimentos sociais. Estes estão em refluxo faz tempo, graças inclusive ao fato de migrarem para a clientela dos mandatos e administrações petistas. Quanto à famigerada sociedade civil, vem crescendo com as anomalias do capitalismo brasileiro.
Trata-se de uma constelação de entidades de variada sorte, das espúrias às estimáveis, de lobistas terceirizados  às ramificações da filantropia empresarial, movido o conjunto pelos assim chamados formadores de opinião, sem falar é claro na dinheirama injetada nesse sistema de alta capilaridade. Quando esta jovem senhora achar que Lula não tem mais condições de assegurar a mansidão das classes perigosas, voltará a marchar com Deus e companhia, como fez em 1964.
Alguns analistas sugerem que o PT desempenhou papel crucial para evitar a guerrilha no Brasil, carreando para as instituições democráticas as lutas sociais. O sr. concorda com essa análise?
Paulo Arantes – Concordando-se ou não com a escolha estratégica pela luta armada que estava nos ares do mundo nos anos 60, quem acabou com a luta armada no Brasil, pela violência, foi a ditadura militar, e socialmente, os efeitos da modernização econômica conservadora. O novo movimento operário que emergiu nos “anos de chumbo” da ditadura era tanto mais forte por não ser revolucionário.
Os fundadores do PT compreenderam muito bem a nova dinâmica e se decidiram pelo campo institucional.
Mas nem por isso a desmoralização final e irreversível da escolha do PT fará com que o pêndulo volte a apontar para a via insurrecional. O impasse do nosso tempo parece ter rifado os termos da alternativa clássica: nem reforma, nem revolução. E isto num momento em que nunca se precisou tanto de uma como de outra.
Algumas análises enfatizam certas semelhanças sociológicas entre o PT e o PSDB. O núcleo dirigente dos dois partidos está em São Paulo e ambos mantêm, atualmente, relações estreitas com as elites financeiras e industriais paulistas. Essa análise tem sentido? Haveria a possibilidade de convergência orgânica entre PT e PSDB?
Paulo Arantes – Se a crise amainar e a lógica brasileira da conciliação prevalecer, não é improvável que o novo bipartidarismo à americana, esboçado nos tempos róseos da transição dita civilizada, tenha alguma chance, inclusive com repartição análoga do universo de negócios. Aliás, até há pouco o governo Lula se entendia muito bem com a administração Bush enquanto os contra-movimentos do tucanato seguiam a agenda traçada pelo grupo Clinton de empreendimentos solidários. Os dois principais partidos pós-desenvolvimentistas ainda têm tudo para se entender, são tão semelhantes que estão se matando no momento. Nasceram ambos em São Paulo, compartilhando uma certa cultura de esquerda então hegemônica que o tempo foi desdentando à medida que seus serviços políticos profissionais foram requisitados por uma classe dominante cujos quadros, os desmandos da ditadura, o fisiologismo da era Sarney e a delinqüência collorida, dizimaram. Afinal, professores-financistas e sindicalistas de Estado não deixam de ser outros tantos melhoramentos da vida moderna. A sorte dos primeiros é que ainda não foram apanhados.

Boletim Mundo n° 5 Ano 13

Nenhum comentário:

Postar um comentário